quarta-feira, 13 de junho de 2007

Lições de vida


Como tinha prometido, fiquei do lado dele na hora que ele morreu. Não foi fácil para mim, mas promessa é promessa.
Quando eu ia para o hospital, me sentia tão só, tão desamparada. Meu medo era despencar, era cair em pranto na frente de um monte de desconhecido, era não conseguir fazer o que me propus a fazer. Vi um cara atravessando a rua e, por um segundo, pensei em parar o carro do lado dele e pedir que fosse comigo, para segurar minha mão, para me dar um abraço, precisava de alguém ali do meu lado e não achei ninguém. Mas não seria um estranho que atravessa a rua que me daria o que eu precisava.
Chorei sim, mas chorei menos do que precisaria. Timidez, certamente. Não dei escândalo, não fiz barulho. Fiquei ali do lado dele, agradeci por tudo, fiquei acarinhando sua cabecinha enquanto via a agulha enviar o medicação fatal.
Saí com ele nos braços, enrolado em um plástico preto, saí cambaleando pela rua, saí, agora sim, saí chorando alto, tropeçando nos meus pés, me sentindo a pessoa mais solitária do universo, me senti pequena e humana diante da realidade da vida. Carregava meu gato que tinha morrido depois de um sofrimento danado, carregava no braço um pedaço de meu passado que ele, uma gato branco, vesgo e maluco, fez parte. E quando eu ajoelhei na terra, onde eu ia deixar ele, eu chorei por me sentir tão só também.

Como dói entender que temos que sacrificar aquilo que não dá mais. Não é só com um gato envenenado, é tudo na nossa vida.
Quando se tem a consciência da inviabilidade da permanência a gente ainda tenta. Tenta mais um pouco, se engana, se agarra a pequenas esperanças e ilusões, tenta e tenta mais um pouco. A gente não quer largar aquilo que amamos ou que acostumamos a ter. Como eu, agarrada a um gato que eu sempre soube que não sobreviveria,mas mesmo assim, tentei, fiz o que pude, pedi um milagre, pelo menos para me dar o alento de acreditar que fui até a última possibilidade.
Fazemos isso em outros pontos da vida.
Não queremos largar aquele amor que morreu e que fede e ficamos arrastando uma carcaça pesada e inútil.
Não queremos abandonar a mediocridade conhecida para nos lançar no inusitado.
Não queremos aceitar que aquilo que um dia foi vivo e forte, tá morrendo.
Então saber sacrificar é difícil e indispensável.
Saber deixar morrer é uma ciência.
Eu eu to deixando morrer muito mais que meu gato.
Tô aprendendo a deixar morrer aquilo que já não me fazia tão bem, que começava apodrecer em vida, aquilo que podia contaminar oque ainda é saudável.
E isso dói. Dói ver a verdade e saber o que tem que ser feito. Dói ser forte e tomar as atitudes necessárias. Dói abrir mão daquilo que é tão bom, ou foi tão bom. Dói aprender a esquecer. Dói lidar com a falta, com a saudade, com aquele espaço que antes tinha algo e agora é silêncio e ausência.
Dói porque viver sempre dói.
Posso dizer que vou sentir uma falta muito maior do que consigo demostrar. Posso afirmar aqui que vou chorar ainda por debaixo do meu cobertor sentindo falta dele que sabia se aconchegar em mim como ninguém. Sentirei falta de sua companhia no meu dia a dia, das risadas que me causava, das histórias que me inspirava a escrever. Sentirei saudade daquela intimidade que só nós tínhamos, saudade de saber que ele voltaria, porque ele sempre voltava. Porque por mais que fosse do mundo, ele era meu e eu era o porto onde ele vinha quando se cansava das suas andanças por esse mundão.
Sei que outros aparecerão. Sempre aparecem. Eu vou, com o tempo, esquecer o tanto que sofri agora, e vou abrir as portas de minha casa mais uma vez, outro vai subir na minha cama e me roubar o coração. É bem provável que eu sofra ainda outra vez porque quem abre o coração, sempre corre o risco de sofrer assim.
Mas também tenho a certeza que outro como ele, ah ,como ele não haverá. Não daquele jeito. Não aquela relação. Não, isso não haverá. E eu nem espero isso.
Só não quero me acovardar e deixar de amar.

Hermeto, meu amor felino, sentirei tua falta e chorarei.
Mas já já voltarei a rir e contar as nossas histórias onde posso perpetuar a vida de um gato que foi o mais maluco, engraçado, amoroso de todos os gatos que eu já tive.
Obrigada, meu amor, pela companhia que me fez neste tempo todo. Não te esqueço nunca mais.

Ele me inspirou aqui.
Uma história nonsense.
Entrevista com o Coelhinho da Páscoa
Um tipo de amante.
Vexame no escritório.
Como ele era.
Amante felino.
Pensamentos dele.
Quando chegou.

16 comentários:

Anônimo disse...

... deixar se ir não é fácil, mas uma hora ou outra por um motivo ou outro temos que aprender deixar que vá... entendo cada suspiro desse lamento... vive minha amiga teu luto e saiba que aqui tem um ombro amigo, fisicamente longe mas sempre perto e disponível
Amo vc,Bj
Dine

Anônimo disse...

Tsc... Dói mesmo. Fazer o quê? Deixar doer, chorar... até a dor passar. Não é assim que a gente tem que fazer sempre?
Torço que a sua alegria volte logo, só isso.
Beijos!

Lígia Moreli disse...

Puxa Tati, meus pêsames...Quase chorei junto lendo seus textos. Também tenho verdadeira adoração por bichos e, meu primeiro de estimação, a Xuxa, uma cadelinha malhada de preto e branco, eu vi morrer, agonizando, na minha frente...Ela morreu sozinha, não sacrificamos, mas foi horrível. Fiquei passando a mão nela até o último instante...
Teu post também me fez refletir sobre como eu tenho dificuldade de sacrificar as coisas na minha vida, deixar morrer o que já está agonizando. Acho que sou totalmente incapaz dessa coragem, tão necessária a nossa vida né? Viver, realmente, dói.
Te cuida!
Beijos!

Ronaldo Faria disse...

Os gatos, quando morrem, ficam andando nos telhados do céu. E enchem o saco dos anjos, correm de lá para cá, se aninham no manto das santas e ronronam muito para Deus, talvez falando em miados das suas longas barbas e cabelos brancos. Por isso, os gatos brancos e albinos (principalmente os estrábicos), por vezes, se escondem nessas mesmas barbas e cabelos quando Deus dá-se a dormir (porque Ele também se cansa e, como todo o velho, ressona pelos cantos, a roncar feito trovão). Mas o Todo Poderoso, quando acorda, ri muito. E acaricia os felinos brancos e albinos que se atreveram à invadir o seu mundo corpóreo, ao som de um Hermeto Pascoal ou um Sivuca, albinos também. Então, Ele começa até a achar que gatos e homens se parecem, com a diferença que os primeiros vivem por viver e para viver; e os segundos riem e amam, mas às vezes se matam e odeiam, outras vezes choram e pouco entendem ainda o quão bom seria não ser. Num bastar dormir e se espreguiçar ao sol, flertando com a madrugada e a vida, miando para a amada e para a lua. Como os gatos... Creia que o seu gato agora deve estar entre as barbas de Deus, para sorte ou azar do Todo Poderoso. E que eles vivam em comunhão eterna, para sorte de homens e felinos... Para que Deus ainda ache que vale a pena continuar nossa estrada e deixar o mundo descobrir o quanto é importante e essencial somente viver a emoção e sentir...
Cuide-se. Sempre.
Ronaldo Faria

Vivien Morgato : disse...

;0(

Tatiana disse...

Ai, ai
gente...assim é que eu choro mais ainda...

anderson.head disse...

legal ter respondido ao meu recado... bom, não sou uma pessoa muito certa para falar algo agora... mas é isso, a perda dói e dói muito... o jeito é respirar fundo e vida que segue...

Anônimo disse...

Puta que pariu! Adorava este gato. Quando te liguei ontem, já saquei que não tinha mais jeito, senti mesmo. Vou escrever uma homanagem a ele. Querida, estarei aí neste findi para te abraçar bastante. Vamos meter o pé na jaca?
beijo.
Má F.

Lord Broken Pottery disse...

Tatiana,
Nunca soube o que dizer ante a morte. Deixo aqui o silêncio, e o meu carinho.
Beijo

Anônimo disse...

Não a conheço, mas sempre leio seu blog. Hoje chorei muito lendo o post sobre seu gato, mas acho que chorei por mim também. Pelas coisas que não deixo simplesmente ir, pelas coisas que não consigo sacrificar. Parabéns por sua coragem, mas minha admiração por ser uma mulher como poucas, que tira de uma tristeza um aprendizado profundo. Sinto pelo seu gato, tenho certeza de que ele parou de sofrer. Tente fazer o mesmo, apesar da saudade e do vazio que ele deixou. Um beijo
grande e toda minha admiração!
Maria Luiza

Adriana disse...

Tatiana, mais uma vez tiveste que sacar forças do seu interior, com certeza seu gato estara sempre em seu pensamento, sentindo seu amor, seu carinho e sentindo muitas saudades de voce.
Desde aqui do outro lado do oceano te envio muitissimas energias positivas para superar mais esta dor.
Palavras sobram neste momento, somente a emoçao tem lugar.
Beijinhos carinhosos Valente Guerreira do outro lado do oceano

Claudia Lyra disse...

Ah, Tatiana... que triste... Você fez a coisa certa deixando ele partir... mas é tão doloroso. Força, querida!

Unknown disse...

Entre o telhado e a lua
Um gato dorme
O sono dos justos.
Eu, por outro lado,
Não tenho pro aluguel
Sofro a insônia da rua
Estou mais longe do céu.

Talita Brito disse...

Não tenho o que dizer.

Um abraço.

Daqueles bem fortes.

Tatiana disse...

gente, eu prometo que amanhã to novinha em folha

Anônimo disse...

Uau, esse comentário do Ronaldo Faria valia um novo post, não acha(m)?