terça-feira, 15 de março de 2011

Mulher na sinuca

Estava em casa, quietinha, quando o telefone toca e o convite irrecusável me foi feito. Fazer o que? Ir jogar o tal bilhar.
A mesa de sempre, o boteco vagabundo de sempre, o garçon que já sabe até meu nome, os velhos sentados na mesa de poquer e meu atual parceiro mais frequente de bilhar.
Lá fomos nós.
Uma cerveja, uma porção de amendoim, giz no taco. Ninguém mais jogando, só nós dois.
Perdi a primeira. Perdi por pouco, mas perdi. Meu parceiro deu aquela risadinha que eu detesto e ameaçou fazer até uma dancinha.Eu já tinha decidido que encaçaparia o bolão no furico dele se fizesse fusquinha comigo outra vez, como fez quando ganhou bonito de mim na nossa última saída.
Na segunda partida tive torcida. Torcida muda como manda a etiqueta sinuquística de boteco de quinta. Ainda mais que meu parceiro é imenso e não dá pra ficar fazendo graça. Minha torcida era um único cara, miudinho, com jeito de cachaceiro e que sempre encontro pelas mesas de Barão. Obviamente, só nos botecos xexelentos. Obviamente, mais uma vez, ele não me cumprimenta, nunca me cumprimentou.
Mulher nesses locais não é recebida com entusiasmo e eu também não fico mostrando os dentes pra sinuqueiro de boteco. Mas hoje a noite ele resolveu assistir a partida.
Calado, com os cotovelos apoiados na mesa ao lado. Nenhuma expressão no rosto. Não parecia que estava torcendo por mim, mas ele fazia uma pressão psicológica no meu parceiro que se incomoda quando ficam secando nossos jogos.
Ganhei essa e tenho certeza que a presença dele desestabilizou meu companheiro.
Problema dele. Eu já não me incomodo mais com isso.
Nem comemorei. Não seria elegante.
Minha torcida foi embora sem se despedir, obviamente.
A terceira foi dele mas eu estava com seis bolas na mesa e ele matando a um. Virei lindamente mas mesmo assim ele resolveu o jogo.
Desta vez não houve nem risadinha nem dancinha.
O jogo estava tenso.
Começamos a quarta partida.
Dois caras apareceram pra jogar na outra mesa ao lado e, mesmo sem nunca termos combinado isso, eu e meu parceiro temos um acordo mudo de não conversarmos durante a partida quando tem mais gente no mesmo recinto.  Não há comemoração, não há gritinho, nem tiração de sarro. Só quando a jogada é muito boa merece um elogio discreto. Nada mais.
Os caras da mesa ao lado eram barulhentos. Ouvi arrotos, cusparada no chão e alguns gritos entusiasmados.  Eu evito intimidade com outros jogadores e nunca, jamais, em tempo algum, comento qualquer jogada de quem está em outra mesa. Mas os caras não aguentam ver mulher jogando, tem que dar uma olhadinha. E quando eu fiz uma tacada realmente bonita, matando  de longe na caçapa da esquerda, eles não resistiram, fizeram comentários entre eles, uma tentiva de piadinha e começaram a ficar prestando atenção ao nosso jogo.
Com tanta atenção eu sabia que meu parceiro iria amarelar porque o universdo masculino é muito estranho mesmo.
Ganhei.
Fomos pra negra.  Os caras da mesa do lado já estavam mais atentos ao nosso jogo do que ao deles. Comentavam entre si que não gostavam de jogar sinucando ( coisa que fiz muito hoje por pura necessidade de defesa e abusando da malícia  para desestabilizar o companheiro que já estava fragilizado), que o negócio deles era matar bola, aquelas coisas.
Eu nem olhava pros caras.
Foi uma bela partida. Mais uma vez meu parceiro começou matando mais e eu tive que rebolar pra defender e reverter o jogo. Só bola minha na mesa e ele já estava com a um. Fui matando devagar, defendendo, sinucando e já estávamos disputando a última bola quando, sem querer, matei minha última bola e encaixei a bola branca na caçapa, pendurada, quase caindo e a bola um colada, sem opção de acertar direto.
Meu parceiro chegou a gemer. Sinucaço!
Os caras fizeram um " ixi, agora fudeu" e fudeu mesmo porque nãoo acertou bola alguma e eu ganhei.
Como de praxe não existiu nenhuma comemoração entusiasmada de minha parte mas foi vexatório ver um dos  rapazes ensinando meu amigo a sair da sinuca. Pior, sem conseguir acertar, sem conseguir resolver a questão. Eu fiquei ali, vendo os caras tentando, uma, duas, três vezes. Meu amigo com aquela cara de cachorro fazendo coco na chuva.
Saí altiva e discreta, com um sorrisinho cretino que só meu amigo via.
Estou jurada de morte.
Espero ansiosamente a próxima partida porque essa foi só uma revanche da outra que ele me deu um cacete danado e ainda tirou muito sarro de minha cara.
Mas ninguém, viu, né? Ninguém viu ele ganhar.
Dessa vez teve platéia e eu agradeço à assistência masculina. Não imaginam como me ajudam.
É isso aí, amigo.
Você me pega na próxima...

2 comentários:

Flá Perez (BláBlá) disse...

hahahahahahahahahahahahahaha
adorei!

Luciana L V Farias disse...

Ô COISA BOA DE SE LER!!!!

Beijocas!!!