domingo, 22 de março de 2009

os cães também envelhecem

Minha casa é quase um asilo de cães. Só me dei conta disso quando Cacau pegou a bicheira e eu percebi que ela estava muito, muito velhinha e poderia morrer a qualquer momento.
Me senti culpada por ser uma dona meio maluca. Meus cães fazem... faziam jejum espiritual, comiam ração com baixo índice de proteína e mal tomavam banho. Gosto de acreditar que é isso que os mantêm vivos mas sei que não é só isso.
A casa é meio doida, eu sou meio doida mas aqui tem amor. Amor que aceita cada um do jeito que é, sem criticar nada. Eles não me criticam e eu não os critico.
Tila é a cachorra mais amorosa do mundo. Me agradece até hoje por ter sido adotada por nós quando sua antiga família foi embora e a deixou sozinha e com fome. Não precisa agradecer porque é ela que cuida de mim, da casa. Sabe ter a medida exata entre guardiã e companheira. Forte, corajosa, engraçada, brincalhona, meiga e boa de briga. Ama quando eu vou com ela à padaria, se acha importantíssima e me defende quando outros cachorros avançam em mim. Nunca foi bonita, é sempre meio fedorenta mas tem um charme. Ficou a lado de Cacau durante todo o temp que se recuperava da bicheira. Me pedia com os olhos que eu ajudasse, que fizesse alguma coisa. Foi adotada por um dos gatos e ela também sabe aceitar amor inesperado. Um dia a levo pra ver o mar porque ela ama água. Ama tanto que e não precis segurar quando é dia de banho. Eu chamo ela se molha sozinha, toda feliz. Caça ratazanas juntos com os gatos e me pede elogios e cafuné. Tenho certeza que ela está a um triz de começar a falar e quando isso acontecer eu ouvirei " eu te amo loucamente". Minha fedida amada e já meio desdentada. Se for verdade essa história que cachorro se parece com o dono, ela sou eu.
Mancha é meu velho. Foi o macho alfa por anos. Nunca o vi mordendo ou avançando em pessoa alguma, mas era um terror com os outros machos. Pequeno mas invocado. Tem medo de trovão, bomba e comeu a porta de casa, de tanto pavor, tentando fugir de uma tempestade. Adora uma cama e atualmente está com uma pereba de pele que não sara por nada. Odeia os dias de banho e sempre se esconde quando me vê com sabão, toalhas e mangueira. Não é dado a grandes demonstrações de afeto mas a gente se entende muito bem. Suporta os gatos e sempre comeu deitado. Seus puns são avassaladores. Nunca foi castrado e fodeu o tanto que quis. Hoje já não come ninguém, mas fez a farra enquanto podia. Eu sei que isso ele me agradece. Atualmente está mais próximo, pedindo carinho e atenção. como se quisesse me dizer que também me ama, só que do jeito dele. Eu entendo e digo bem baixinho no seu ouvido ( está meio surdo ) " Você sempre foi o cara". Ele me sorri de volta.
Cacau é a segunda mais velha. Só tem 13 anos contra os quase 17 de Mancha. Tá velha, grisalha, anda mancando e tem uns caroços estranhos pelo corpo. Teve mais de 70 filhotes e deu pra quem quis. Eu dizia ao Mancha " Se você pode comer quem quiser, Cacau pode dar pra quem quiser. Se você quer mesmo ser pai, se vira, Negão!". Cacau arrasou qualteirões com seu charme animal. Chorei com ela, abraçada, quando sua filha morreu atropelada. Me ajudou a cuidar de meus filhos, brigou junto comigo quando um velho maluco bateu em Lucas e a gente se embolou na porrada. Eu batia, ela mordia. Seu primeiro parto foi comigo ao seu lado, eu segurei seu primeiro filhote nas mãos. Em todos os rituais femininos aqui de casa ela estava presente e tinha seu lugar de poder. Foi o seu olhar o mais triste que eu vi na vida, quando a deixei com uma amiga no dia que mudei pra Salvador e foi ela também que me reconheceu a mais de quatro metros depois de dois anos longe. Até hoje lembro do jeito que ficou, da sua felicidade louca e de como decidiu, por si só, que ela iria morar comigo e não mais com minha amiga. Veio e realmente ficou. Afinal, era assim que tinha que ser. Eu, ela e Mancha, seu eterno companheiro. Coça seu marido por amor. Uma cena lida de se ver: ele parado na frente dela e ela mordiscando ele que chega a virar os olhinhos. Aceitou Tila em casa porque tem um coração enorme. Gosta de deitar bem juntinho de mim e eu gosto de alisar seu pêlos com os pés. Eu não tive filhas e Cacau sempre foi usada quando me diziam que eu precisava de uma menininha. Eu já tenho, sempre respondi, ela é minha filha cachorra. Elegante como poucas. Alguns dizem que ela é feia. Nunca a vi assim. No instante que coloquei meus olhos sobre ela, me apaixonei. Vira latas com doberman. Muito mais vira que doberman. Minha proterora astral. Minha parceira de magia. Minha babá peluda. Por incrível que pareça, minha amiga e conselheira. Desenvolveu uma incontinência urinária por causa dos tumores e eu sei que seu tempo é limitado.
Chorei hoje pensando nisso. Meus cachorros vão morrer e com eles vai um tempo que passou. Não sei como ficarei quando o primeiro deles morrer. Não sei mesmo e quando falo isso não estou brincando. A sensação que eu tenho é que quando eles morrerem, morre junto uma época linda que já passou. Sentirei muita, muita saudade deles. Me sentirei só, sem ninguém. Chorarei sozinha em minha cama, abraçarei os sobreviventes até o dia que não haverá mais cachorro algum pra abraçar e aí sim eu saberei dizer o que é realmente se sentir só.
Estou com medo deste momento. Muito medo mesmo, confesso.
Faço dengo para meus cachorros, compro rações caras, fronteline, dou banho dentro do box e seco com secador, escovo seus pêlos, converso com eles, dou mais atenção. Tudo pra compensar alguma coisa que deixei de fazer, seja ela qual for. Agora, neste exato momento, meus três cachorros estão deitados aqui do meu lado, mesmo tendo uma casa inteirinha pra deitar. Poderiam estar em qualquer outro lugar mas escolheram ficar comigo e a cada fungada que dou - sim, eu estou chorando - levantam os olhos para mim como quem diz " o que foi?" e eu fungo ainda mais alto.
É...os cães também envelhecem e a certeza da temporalidade deles me deixa triste e melancólica.
Meus cães são os meus cães na mesma medida que eu sou deles. Roubaram meu coração e eu sinto muito orgulho de ser deles. Os melhores cães do mundo. Os mais valentes, mais espertos, mais amigos, mais verdadeiros e leais cães do mundo.
Espero conseguir ser tão boa para eles como eles são para mim.
Espero que exista um Céu canino e que tenha carros e motos pra correr atrás, brigas de turminha, chuva de linguiça, rios e mares, carteiros saborosos, entregadores de pizza aos montes, passeios pelos bairro, uivos pra lua, danças malucas na cozinha de casa, banhos em dias quentes com toalhas felpudas, camas macias em que se possa deitar e sonhar, gatos que subam neles e ronronem mansamente.
Bosta...alguma coisa vai acontecer para eu ficar assim. Alguma coisa vai acontecer!

Nenhum comentário: