quinta-feira, 19 de março de 2009

Minha assombração particular

Chegam por trás de mim. Me sussurram impropérios. Algumas me xingam, outras são um silêncio magoado.
Sobrevoam a minha cabeça como revoada de marimbondos, morcegos, pavões desengonçados. Batem em minha cara, estapeiam a minha memória, me sacodem pelos ombros.
Eu gemo e choro. Eu luto e fecho os ouvidos. Eu finjo que não é comigo.
Mas é.
Cada canção que eu abandonei me persegue. Sou uma casa mal assombrada por minha própria alma cantadora. Cada melodia abandonada é como uma criança no sinal. Mendigam somente a minha voz e eu me faço muda e desmemoriada enquanto batem nos vidros, sacodem as portas, eu acelero pela vida, corro, furo sinais e mais uma vez viro a esquina do esquecimento.
Desperdício de notas e sons.
Desperdício de meu amor transmutado em música.
Desperdício de dor que no final foi música, virou bolha de ar que eu mesma estouro no meu descuido, e volta a ser somente dor.
Desperdício de mim.
Me assombram as minhas músicas paridas.
Por que me esgueiro tanto assim de mim???
Canções com histórias, canções que fiz para amigos, amores, canções de brincar, canções menores e canções mais velhas que meu filho mais novo, canções que eu deixei escorrer nos vãos do tempo.
Por que me esgueiro tanto assim delas?
Tantas! Muitas! De certa forma são meu orgulho, meu legado, minha forma de ver o mundo ou de sofrer a vida, de amar e de esquecer. Minhas músicas são eu em compassos quebrados, sustenidos de meu passado, diminutos pedaços de mim e dos meus.
Minhas músicas choram miudinho e caladas. Minhas músicas retumbam dentro do meu peito e eu tremo toda.
Minhas canções me assombram e eu só sei sentar no meio da sala vazia e chorar seca e muda.
Minhas canções me pedem urgência de serem.
Eu não sei porque não sei o que fazer.

2 comentários:

Fausto Sotam disse...

Muito sincera, e muito intensa. Quando as coisas mudam, e já não voltam, deixam sempre um rasto de dor. A saudade nos mata por dentro, e faz nos ser mais ansiosos por momentos iguais. Os pensamentos só podem acabar quando aceitarmos as coisas como são. Belo poema...

Anônimo disse...

Privilegiada...