sexta-feira, 16 de maio de 2008

Magia de linha e agulha

Algumas pessoas se surpreendem quando descobrem que eu faço crochê. Entendo a surpresa deles, nem eu acreditaria que algum dia eu pudesse fazer alguma coisa usando linha e agulha.
Mas eu posso e faço!
E quando me pego ali, debruçada sobre os novelos de lã, a agulha em minha mão, quando eu entro naquele ritmo hipnótico que é fazer crochê, eu simplesmente estou fazendo uma das magias femininas mais antigas e mais poderosas. A magia da agulha e da linha.
Naquele momento eu não estou fazendo somente um xale, ou uma saia, ou qualquer coisa assim mundana e prática. Eu estou alinhavando a minha vida, estou costurando meus desejos, meus pedidos, minha intenção no manto do mundo invisível. Minhas mãos seguem sequências lógicas e repetitivas, mas minha mente está muito, muito longe.
Cada ponto dado é uma intenção. Eu peço, eu laço, eu puxo, eu amarro, eu aperto para que minha intenção seja firme e seja forte.
Em uma época muito difícil de minha vida eu fiz um poncho vermelho. Meses de trabalho constante e uns vinte e cinco nevelos de lã. Cada pontinho foi rezado, foi mandigado, foi completamente imantado com um pedido muito importante. Incrível como chama a atenção das pessoas - é realmente imenso e quente - mas me impressiona ainda mais que ninguém, além de mim, consegue usar ele. É um tipo de manto, uma armadura que eu fiz para mim e realmente não cabe em outro corpo. E quem pega meu poncho vermelho, sem perceber, devolve com delicadeza e respeito, mesmo sem saber porque faz isso.

A magia da agulha é diferente da magia alquímica do fogão, a magia da bruxa cozinheira. A magia da agulha é para algumas, mas não somos poucas. Nós, as magas da linha, nos reconhecemos sem precisar falar muito, um olhar, um cumprimento de cabeça e sabemos que ali tem uma irmã, tem uma iniciada nesse mistério tão comum.
Mas, no passado, as bruxas tinham que esconder seus conhecimentos para que não fossem entregues à Inquisição e morressem na fogueira. A colher de pau, o caldeirão, a faça de cozinha, a taça do vinho, a vassoura...tudo isso são instrumentos mágicos disfarçados em utensílios que se encontra em qualquer casa.
A mesma coisa acontece com as linhas e as agulhas.
Uma forma de magia muito, muito antiga que nunca vai sumir porque é passada de geração a geração, de uma iniciada para outra iniciada, de uma mulher para outra mulher, da anciã para a jovem. Assim como eu aprendi de uma velha camareira, ex-vedete, cheia de dor e cheia de histórias, eu ensinarei para uma outra mulher. Da mesma forma que fui me aprimorar com uma amiga que tudo sabia dos segredos do crochê, eu também, um dia, farei isso com outra mulher que aparecer na minha vida.
E assim o ciclo nunca acaba e o círculo nunca é rompido.
Sinto muito orgulho de fazer parte deste seleto grupo de mulheres e eu nunca pude imaginar que um dia falaria isso com tanta convicção.
Costuro no pano a linha da vida e costuro na vida o meu futuro.

6 comentários:

Anônimo disse...

Tatiana, que lindo!

Sandra Maria disse...

Somos parecidas. Faço colchas que passarão para outras gerações. Colchas cheiras de rezas, de pedidos, de agradecimentos, de mandingas ...Serão o meu legado.
É querida, as bruxas tecem ....

Tatiana disse...

E devo muito a você por isso, minha amiga.

A Cronista disse...

Só quem faz magia com linha reconhece outra maga... sabia que vc era da turma! rsrs

Beijinhos, boa semana!

Tatiana disse...

Mônika!
Até tu, Brutus?????
Que bom saber disso!!

A Cronista disse...

Yes, menina. Sou do bordado, da tapeçaria e do tricô.

Quem diria... meus segredos confessados aqui!! rsrsrs