domingo, 18 de maio de 2008

A noite estava fresca e calma. A jabuticabeira ressonava envolvida no cheiro de suas frutas fermentando no chão e os bichos se reuniam em frente à porta da cozinha.
Cacau, velha e com fucinho todo branco, coçava alguma coisa nas costas de Mancha, seu velho companheiro que mal conseguia abrir os olhos. Tila apoiava a cabeça em suas próprias patas da frente e olhava o horizonte. Seus olhos pareciam nada observar e não indicava perceber que seu rabo era objeto de atenção dos três gatos deitados no banco de palha. Brincavam entre si, um novelo de pelo macio que se mordiscava, agarrava e demonstrava um tipo de afeto agressivo e agitado. Os três se comportavam como se aquela coisa peluda e grande fosse a maior presa já vista no mundo.
O menor de todos os gatinhos, aquele que nós chamamos de Smigol, desce com cuidado até o chão, escala as costas de Tila e descobre que as orelhas delas se mexem involuntariamente quando ele toca nelas. Os outros dois gatos olham com muita atenção e uma verdadeira admiração nasce. Muito corajoso esse menino.Se ele pode, nós também podemos.
Todo mundo pisando com muito cuidado naquela massa peluda, parada e fedorenta.
Tila não parece se incomodar com aquela expedição em seu corpo e quando vê a Mulher parada na porta, seu rabo começa a bater no chão descontroladamente causando um verdadeiro furor entre os gatos. Todos querendo prender aquele negócio que sobe e desce sem parar, o instinto de caça nascendo ali.
Bandit, o gato com manchas brancas, se prepara para um bote definitivo. Pretinha, que um dia foi João Bosco, observa atentamente a cena, segurando a respiração. Smigol morde uma orelha que nunca pára quieta.
Nessa hora, uma bomba estoura em algum lugar do bairro, disparando corações e fazendo os cachorros e os gatos correrem para dentro de casa. Mancha, mesmo surdo, leva um susto danado e sai patinando pelo chão da cozinha, recém encerado. Cacau mostra que uma cachorra com mais de doze anos pode ser realmente muito ágil. Tila dá o mais lindo salto e em dois segundos já está de baixo do móvel do computador.
O Homem reclama de tanto bicho no quarto e a Mulher tenta explicar que é só um medinho besta e que já, já passa.
Os gatos se aconchegam entre as dobras do cobertor e descobrem que os cílios da Mulher também se movem de forma muito interessante. Pretinha desde que foi identificada como fêmea tem mais acesso ao Homem que deixa que ela se deite entre suas pernas e ali ressone calmamente. Passar as mãos por seus pelos negros e macios é uma coisa realmente muito relaxante.
Bandit tem certeza que aquele negócio que se mexe por debaixo do cobertor é alguma coisa que precisa ser caçada e quando ele consegue finalmente morder aquele negócio, leva um chute que o manda para o pé da cama.
Smigol tem uma fixação por rabos e morde descontroladamente a cauda da Pretinha que resolve dar aulas de bons modos naquele moleque atrevido e aí começa a pior batalha entre gatos que já se viu.
O barulho é tanto que o Homem resolve colocar todo mundo par fora, sem nenhuma ternura nem compreensão pela natureza felina.
Na hora de sair, Tila se engancha nos cabos do computador e vai para o quintal arrastanto um teclado. Cacau a segue com muita resitência e se deita no tapetinho de crochê que é seu por direito. Se alguém deita nele, morre.
Mancha, com a desculpa de ser surdo, não se mexe e a Mulher é obrigada a empurrar ele pelo chão até chegar na varandinha. Ele nem se dá ao trabalho de levantar a cabeça e por onde ele é arrastado surge um caminho mais brilhante do que o resto do piso.
Lá fora a vida continua.
Os gatos caçam qualquer coisa, os cachorros se coçam e observam a rua e os humanos tentam achar um programa que preste em pleno domingo.
Sem encontrar nada que realmente preste, a Mulher faz um mousse de maracujá para se comer direto da tigela diante da televisão.
Um fucinho rosa aparece pela janela do quarto e a Mulher entende que tudo vai recomeçar.
Lá vamos nós...





Um comentário:

A Cronista disse...

Texto perfeito. Consegui ver todos os bichinhos brincando... rsrsr

Mas isso também é coisa que só quem gosta entende.