quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Hoje eu to compulsiva para escrever e não vou deixar que a vergonha me iniba. Tenho um monte de roupa para passar, dar um trato aqui na casa, mas eu preciso colocar as coisas em ordem. Na minha cabeça.
O mundo tá necessitado de tanto. Tanta gente precisando de tanta coisa!
E eu aqui tentando dar o que eu posso e às vezes acho que é tão pouquinho, que eu sou a beija-flor com aquela gotinha mínima de água ajudando a apagar o incêndio na floresta. Mas é a minha gotinha que eu dou de coração. É toda a gotinha que cabe em meu biquinho de beija-flor.
Estudei tanto para fazer isso. Me meti em cada coisa só para poder ter recursos em que eu possa ser útil de verdade.
Eu manifesto meu amor assim, fazendo. Não sou dada a cafunés, a abraços e beijos abundantes. Descobri que não sou tátil, não saio pr aí alisando o povo. Só aqueles que eu amo muito e tanto, ao ponto de me dar vontade de tocar, de sentir a pele.
Mas mesmo assim, quando percebo que alguém precisa de alguma coisa, eu quero poder FAZER.
Então eu fui estudar. Fiz meu curso de formação floral, passei anos metida com as ervas, os óleos essesnciais, com os cristais, fui aprender a fazer elixires de pedras, fui entender a magia, os ritos, a alquimia sutil da alma humana. Mergulhei de cabeça na loucura dos arquétipos dos arcanos do tarô. Pirei com Jung, com Pierre Verget, com Dion Fortune. Fui vasculhar nos mitos gregos algumas respostas que nunca achei mas ainda procuro. A força primitiva e imensa dos orixás. Os segredos da Umbanda. O poder do Oriente na meditação. A força do meu corpo descoberto na yoga. Aprendi a curar e a atacar. Aprendi a defender e a iluminar. Aprendi que todo mundo tem uma sombra que nunca se ilumina. Aprendi a andar no escuro. Aprendi a ler nos olhos e nas linhas das mãos. Aprendi a acreditar naquilo que não tem explicação e que eu simplesmente sei. Na verdade, aprendi a ser mulher.
Descobri que não tenho aquela mão de cura, sabe? Tem gente que mete a mão na gente e a dor passa. Eu não tenho esse talento. Meu talento tá sempre no sutil, na vibração. Lá fui eu estudar o toque terapêutico, fiz minhas iniciações no reiki até chegar ao mestrado, fiz seminário da Mahikari para poder ter, literalmente, à mão um recurso que realmente pudesse ajudar.
Mas eu não sou uma terapeuta. Eu sou uma artista.
Mas sou, antes de tudo, uma pessoa que entra em empatia com a dor alheia. Nem sei se isso é ruim ou é bom, só sei que é assim, então eu não posso ver alguém perto de mim toda fudida, toda estrupiada, não posso deixar de dizer " vem cá, minha nega, vem cá que eu tenho um cadinho de alguma coisa que pode te ajudar". E muitas vezes, não é suficiente e eu me sinto muito, muito inútil. Tudo que eu aprendi não serve de nada se não é a hora da mudança, se o ciclo da dor ainda não acabou. Eu não posso ajudar aquilo que não é para ajudar. Eu tenho vontade de sentar em um cantinho daqui de minha casa e chorar, emburrada, puta da vida por ser tão inútil, por não ter uma solução que possa aliviar tanta dor e tanto sofrimento.
Nesta semana eu ouvi muita gente chorar perto de mim. Choro de dor de separação, choro de medo, choro de raiva, choro de mágoa, choro da mais absoluta tristeza da alma.
E quando tudo que eu sei já não consegue mais encher o vazio daquele peito, porque às vezes a dor é tanta, mas é tanta que é um saara no coração e eu me lembro que eu sou só um beija-flor, a única coisa que me resta fazer é rezar.
Porque essa foi uma outra coisa que eu aprendi a fazer. Aprendi a rezar forte e firme. Aprendi a jogar a força de minha natureza de touro, raçuda e briguenta. Essa mistura de Iemanjá com Ogum. Essa coisa meio bélica que eu tenho, meio mãe do mundo, meio velha madigueira com criança louca. Essa energia de pomba-gira com cabocla. Esse caldeirão que borbulha com o chocalho do pajé. Peguei isso tudo, direcionei pro alto e aprendi a rezar com meu corpo todo, com meus lados todos, com tudo que eu tenho, eu rezo inteira.
Então hoje eu rezo por você que sofre na sabedoria que a existência do amor não garante a convivência perfeita. Rezo para que seu coração pare de sangrar.
Eu rezo para você que vê um futuro negro e medra diante da possível solidão. Rezo para que sua fé não esmoreça.
Rezo para você que sofreu calado e triste diante da mais terrível decisão de sua vida. Rezo para que seu coração acalme e sua mente esqueça.
Rezo por você que briga uma briga de cachorro grande. Rezo para que aprisione seus demônios e e que a sua vida mude.
Rezo por você, que é meu amor, para que aprenda a se defender sem mim, para que veja com seus próprios olhos e segure a sua própria espada.
Rezo por você que é povoada por antigos fantasmas. Para que exorcize um amor morto de seu peito e que o novo te preencha de luz outra vez.
Rezo por você que já está sofrendo na pele o que a alma não consegue fazer escutar. Rezo para que simplesmente entenda.
Rezo, rezo e rezo ajoelhada diante de meu altar de bruxa, diante da imagem da minha Santa Sara, diante de meu atame e de minha pena.
Rezo em todos os idiomas. Rezo em todos os credos.
Rezo por você e rezo por mim.
Porque tem horas que é só por Deus.


5 comentários:

Marina F. disse...

Minha amiga,
Seu reiki, suas palavras e vibrações já me salvaram várias vezes. E olha que sou cética pra burro. Mas acredito muito no seu poder.

*OBS: este feriado esõu aí, chego hoje.

beijossS.
La Franco

Lord Broken Pottery disse...

Tatiana,
Somos pessoas muito diferentes. É incrível como me sinto atraído por esse universo que você revela, o respeito que tenho por ele. Embora seja um sujeito completamente sem fé, observo todo o carinho que você manifesta pelas pessoas com muita admiração. Por caminhos diversos sinto parecido. Também me comovo o tempo todo com o infortúnio das pessoas ao meu redor. E me aflijo por não ter como ajudar, pegar no colo, resolver os problemas. Seu texto me lembrou Vinicius, um poema dele que tomo a liberdade de anexar.

Elegia Desesperada
(O Desespero da Piedade)

Vinicius de Moraes


Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.


Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina


Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.


Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.


Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.


Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...


Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!


Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Quem lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.


Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.


Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.


E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!


Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!


Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.


Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.


Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.


Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.


Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.


Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.


Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.


Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.


Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.


Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.


Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!


É isso aí, tende piedade de nós.
Grande beijo

Anônimo disse...

_II_

Anônimo disse...

Tati,
Sabia que você é linda?????
Cada vez te admiro mais.
Pequena "coincidência": hoje estive na casa da Luhli (fui conhecer a Aurorinha, aquela princesinha linda), e ela comentou sobre isso: seus conhecimentos de ervas, reiki y otras cositas...
Beijos com carinho,
Danny.

Adriana Barreiros disse...

Amém, amiga! Amém às suas palavras!