domingo, 3 de junho de 2007

Depois do " Felizes para sempre"

Branca de Neve já tinha alguns fios brancos em sua vasta cabeleira negra, mas mantinha ainda uma beleza estonteante. Uma vez por semana seu estabelecimento comercial fechava para limpeza e ela poderia se dedicar totalmente a si mesma. Trabalhava seis dias por semana como dona de um prostíbulo especializado em taras exóticas. Mais especificamente, anões besuntados em manteiga de ervas, uma variação sexual muito solicitada ali na floresta. Os sete anões estavam velhos, mas ainda davam no couro e os negócios iam de vento em popa. Branca de Neve controlava a empresa com mão de ferro e um chicotinho com punho em forma de maçã, sua marca registrada. Seu Príncipe estava sempre em caçadas com seu grupo de amigos, moços jovens que gostavam de depilar o peito. Diziam que ajudava quando era necessário se arrastar no chão para caçar os veadinhos da mata. Ela fingia que não ligava para seus sumiços e ele não perguntava de onde vinha o dinheiro que o sustentava. Um acordo sem palavras, mas eficiente. Não teve filhos e quando o sentimento de maternidade doía com mais força, pegava o Dengoso, colocava no colo, expunha a alva teta e lhe dava o bico para sugar. E pedia " me chama de mamãe, me chama de mamãe". E ele, com aquela vozinha fina de anão, obedecia, mais por medo do chicotinho do que por tesão mesmo.
Empregou a Velha Bruxa como diarista e a obrigava a polir três vezes por dias todos os espelhos de sua casa. Com a língua.


Cinderela gostava de cavalgar seu próprio cavalo. Depois de sua separação muitas coisas haviam mudado e ela jurava que era muito mais feliz agora quando tinha realmente descoberto a sua verdadeira opção sexual. Ser gay nos tempos de contos de fada não era coisa fácil, mas ela assumia sua sexualidade com orgulho. Sua loja de material de construção era pequena, Meroy Lerin, mas lhe dava o sustento exato para uma vida simples que se resumia a poucas atividades: tomar cerveja com suas colegas, manter seu hobbie - marcenaria - e jogar no seu time, Sandália de Ferro. Era considerada uma das melhores zagueiras de todos os tempos dos reinos encantados e a ruptura do ligamento cruzado do joelho esquerdo não a impedia de correr no campo. O mago da floresta tinha recomendado musculação para fortalecimento da musculatura e ela havia pegado gosto pela coisa. Lá na academia ela gostava de competir com os homens na queda de braço. Sempre ganhava. Era braba, forte e não tinha medo de nada. Quer dizer, não podia ver uma abóbora que tinha arrepios. A abóbora lhe lembrava a festa, a festa lhe lembrava o príncipe e ela lembrava do beijo do seu ex-marido e aquilo lhe dava engulhos. Mas fora isso, era praticamente um cavaleiro da Távola Redonda. Pensava em organizar a primeira passeata gay da floresta , junto com o Príncipe Valente, amigo do peito que decorara seu castelo depois que voltou a ser solteira e desimpedida. Assumiu o coturno bico largo que não lhe apertava o joanete.


Chapeuzinho Vermelho estava no fim de sua oitava gravidez. Sempre arrastava uma barriga enorme e uma cesta cheia de guloseimas deliciosas. Era uma dona de casa perfeita que cuidava com esmero do seu marido, o Lenhador, da criançada que não parava de crescer, de sua velha mãe e de sua caquética avó. Cozinheira de forno e fogão. Lavava, passava, costurava e chuleiava. Os anos lhe trouxeram alguns quilos extras e a sua imagem era a da matrona rechonchuda e feliz. Não podia ver um cinzeiro cheio, nem um copo na pia que, rapidamente, já botava tudo em ordem. Seu filho mais velho jurava que ela tinha TOC, transtorno obsessivo compulsivo, mas Chapeuzinho entendia a natureza dos adolescentes e lhe sapocava um tabefe amoroso na orelha e tudo se acertava.
Ninguém sabia porque saía tanto pela estrada a fora, mas ela nunca conseguiu esquecer os olhos grandes, as orelhas grandes, o nariz grande e todo o resto grande do Lobo Mau. O Lenhador era uma pessoa boníssima, era um pai perfeito, mas até uma matrona tem lá seus desejos sórdidos e pérfidos. O Lobo Mau fazia ela se sentir uma mulher de verdade e ela chegava a uivar. A única que parecia perceber as suas escapulidas era a Vovozinha, mas existia entre elas, avó e neta, uma cumplicidade típica de quem já foi comida pelo Lobo Mau e nada era dito.
O Lenhador era muito feliz e não tinha o que reclamar pois sua esposa vivia rindo pelos cantos da casa, cantarolando enquanto trocava as fraldas de alguma criança.
Não entendia muito bem porque seus filhos nasciam tão peludos. Vai ver que a Chapeuzinho tem um quê mediterrâneo, lusitano, quem sabe?
Vive com uma dorzinha de cabeça que sua amorosa esposa sempre cura com chazinho de ervas.
Dorme de meias e ronca. Sempre feliz.


Magérrima, Rapunzel fumava compulsivamente. Em função de suas intensas dores de cabeça, viciou-se em anestésicos. Como uma coisa puxa a outra, não passava um dia sem alguma boleta colorida nem de um copinho de conhaque. As crises de pânico, que a mantinha ainda na mais alta torre do castelo, a ajudaram a colocar sua extrema imaginação para fora. Sem ter o que fazer, escrevia e se transformaraem uma escritora muito famosa, seus livros eram sucessos e a histeria de seus fãs só piorava as suas neuroses. Seu príncipe a amava com paixão e até hoje ainda cheirava as madeixas douradas que sua amada tinha cortado no passado. Atualmente ela escrevia um tratado sobre a loucura e achava que estava prestes a fazer seu melhor trabalho. Não pode criar seus filhos porque a sua depressão pós parto a fazia jogar os bebês pela janela. Quem conseguisse segurar a criança antes que ela caísse no chão ganhava uma boa bolada de grana e sempre que Rapunzel paria, juntava um monte de gente em baixo de sua janela. Ela achava aquilo abominável e cada vez mais acreditava na insignificância da vida humana.
Mantinha os cabelos rentes, mesmo diante das súplicas lamuriosas de seu marido que tinha se transformado em um fetichista de mão cheia.

Cachinhos de Ouro cresceu e virou uma ativista política que reinvindicava os direitos dos sem teto. Acreditava na luta armada e em uma ação mais agressiva. Por causa disso tinha feito treinamento especializado, lido toda a obra deixada pelo Robin Wood, sabia usar uma adaga como ninguém e era a inimiga número um de todos os reis, em todos os reinos. Acreditava que a terra não era propriedade , que cercas, pontes e fossos eram o símbolo da opressão dos nobres sobre o resto da população. Tentava um acordo político com o povo miúdo para tentar unir forças e tentar uma ação mais positiva. Uma guerra civil mesmo.
Como sua batalha era grande, não teve oportunidade de casar nem de ter filhos. Mas as más línguas insistem em dizer que ela mantinha um romance secreto com o ursinho, que também cresceu e virou um ursão de encher os olhos. Com ele, ela passeva pelos calmos campos e nas noites de inverno se aconchegava em seu pêlo macio e ficavam olhando as estrelas. Sonhavam juntos com um mundo mais justo, onde não faltasse casa nem pão. Muito menos mel.

Maria, aquela do João, ficou muito traumatizada com aquela história de ficar em um gaiola, presa, na eminência de ser comida por uma bruxa maluca. Essa experiência mudou sua vida e a forma de encarar os fatos. Só o Divino mesmo para suportar tanta pressão. Ela agora tinha um spa esotérico, com alimentação lacto-vegetariana, terapias alternativas e meditação. Acreditava na importância de se alterar a imagem da mulher-maga dos contos infantis e fazia parte de um movimento feminino " O Retorno do Poder Femino às Mulheres Boas" e oferecia seminários por todo o reino onde vendia pequenos talismãs de proteção e vivia em grandes batalhas místicas com as bruxas do mal.
Quando se sentia muito nervosa, comia quilos de doces escondido dentro de sua pirâmide de ametista. Mas sempre negava que foi ela, colocando a culpa em seu irmão obeso, o João.
Fora isso, não tinha vícios. Apenas o hábito de fumar todo o santo dia uma determinada erva perfumada que a fazia rir horas sem parar enquanto conversava com os seres da floresta. Mantinha acesso livre ao mundo das fadas, dos duendes e dos gnomos.
A horta de cogumelos era a sua paixão e esperava ter logo uma produção respeitável para que pudesse vender em grandes quantidades.
Fazia um curso à distância de cromoterapia e ganhava um extra dando aulas de yoga para as velhinas do reino, mas jurava que fazia isso para diminuir seu karma negativo. Vivia dura mas acreditava que dinheiro nem sempre traz felicidade.
Optou pelo celibato mas se aparecesse um cara legal, meio místico, mandava o celibato pra puta que pariu e mandava ver.
Esperava esse momento ansiosamente, comendo chocolate.

Bela Adormecida continuava devagar, quase parando. Suas fadas madrinhas não tinham um minuto de sossego porque a coitadinha dormia em pé, andando, em qualquer situação. Os médicos do reino descobriam a sua narcolepsia mas não tinham solução a dar. O negócio era manter todo mundo em alerta para evitar que a pobrezinha se machucasse. Mesmo assim casou com o Príncipe, mas passou toda a cerimônia babando no vestido de noiva e não tem a mínima idéia de como foi sua noite de núpcias. Dormiu também.
Como não fazia muita atividade física, deu uma engordadinha. E desenvolveu apnéia do sono e ainda flatulência noturna o que dificultava muito a vida de seu marido que foi obrigado a manter uma amante oficial, a Bruxa Má, aquela mesma que lançou a maldição. A Bela Adormecida nem ligava, óbvio, e o Príncipe também não escondia de ninguém que tava pegando a coroa e que ela fazia coisas realmente impressionantes com a colher de pau e com a vassoura. Uma loucura. Mas mantinha as aparências e em todos os eventos oficiais levava a esposa adormecida. Quem não gostava muito disso era as três fadas madrinhas que ficavam com a responsabilidade de manter o corpo gordo e mole da rainha em pé. Um trabalho danado que já causou muito arrependimento e brigas entre elas. "Quem foi mesmo a idiota fez ela acordar com um beijo? Quem? Quem?". Discutiam constantemente enquanto se abanavam para ver se diminuia o budum dos puns da Bela Adormecida. Se arrependimento matasse, ela dormia outra vez.

Os três porquinhos tiveram destinos diferentes, entre si.
Um virou torresmo.
Outro, feijoada.
E o mais novinho mantém um relacionamento estável com o Lobo Mau. Não pensam em ter filhos, mas criam muitos gatos para suprir todo a afeto que transborda de seus corações amorosos. O Lobo Mau morre de ciúme, vira e mexe, enche o focinho do porquinho de bolacha. Mas sempre pede perdão e, para se redimir, dá umas sopradinhas poderosas que fazem o rabinho do porquinho entortar ainda mais.
Estes são felizes até hoje e nem pensam em se separar.

10 comentários:

Anônimo disse...

Tatiana,

Hoje às 17h apresento o número O Encontro (www.alfredoeflorisbela.blogspot.com) no Tugudum. É de graça... vamos gravar o número para editar um DVD. Apareça! Leve os filhos, amigos, e quem mais precisar de uma tarde de bobagens a cores neste domingo cinza(r. Maestro Francisco Manoel da Silva, 690- Sta. Genebra - mapa em: www.tugudum.com.br)
PS. Não somos palhacinhos... comumente pelas fotos confundem a gente com essa espécie. Somos PALHAÇOS! Um beijo,
Ciça

Anônimo disse...

ahhahahahaha.....agora vc se puerou.;0)

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHA! Bom demais, Tatiana!!! Nunca imaginei esses fins pra elas!
Mas imaginar a Chapeuzinho maconheira e a Cinderela sapata foi o máximo! Perfeito! :)
Beijos!

Anônimo disse...

Nossa a Rapunzel é terrivel...imagino os bebezinhos sendo jogados pela janela...quase pior que aquele dentro do vidro na carteira de cigarro.
Saudade, aqui no Sul está um friiiiiio!

Anônimo disse...

Caraca, menina, você se superou!!!! Putz, ri de monte!!! Chapeuzinho Vermelho é tuda, corneando o pobre Lenhador daquele jeito, fala sério!!! Só fiquei com dó da Branca de Neve, coitada... hahahahahah

Anônimo disse...

Me diverti horrores.
Pensei no seu livro, demorou para fazer um, já disse.
beijo.
Má F.

Anônimo disse...

Meu Deus!!!rsrsrsrsrsrsrs

Tatiana disse...

essa minha mente é sordida...
ahahaha
eua doro essas bobagens

Luiz de Aquino disse...

Que mente, menina Tatiana!

Amei!!!

(Ficarei feliz com sua visita ao meu blog: http://penapoesiaporluizdeaquino.blogspot.com)

Anônimo disse...

eu jah li um livro q fala o q acontece depois do felizes para sempre "/