segunda-feira, 12 de março de 2007

Hoje eu estava dirigindo quando comecei a ouvir na rádio aquela canção. Sim, aquela canção que ele fez para mim há tantos anos, quando eu era uma mocinha, quando nem filhos eu tinha. Mesmo depois de tanto tempo ainda sinto a vaidade me queimar as bochechas, um certo orgulho de ter inspirado uma canção, ainda que fosse uma canção de partida e de desilusão.
É. Eu fiz aquele homem sofrer. Não sabia disso na época, só soube muitos anos depois, sentados em um balcão de padaria, mexendo um café preto, olhando distraída a colherzinha fazer ondas circulares, como se ali, dentro daquela xícara, estivesse todo o nosso passado.
Eu fui doida por ele. No dia que o vi pela primeira vez, pensei: xi, agora eu me ferrei.
E me ferrei mesmo porque eu, sem nem saber o nome dele, tinha resolvido que, de alguma forma, aquele homem seria meu.
Tínhamos acabado de chegar aqui em Campinas, cada um vindo de um lugar do país, dois estrangeiros, dois solitários, dois músicos cheios de emoção e sonhos.
Fiquei louca por ele e eu percebia que ele também estava bem impressionado, mas nada de me dar bola. Mas não desgrudava, tardes juntos tocando violão, passando harmonias um para o outro, eu ouvindo as suas canções com aquele olhar abestalhado de mulher apaixonada. Cozinhei muito para ele porque eu ainda acreditava que um homem se segura pelo estômago. Tolinha. Fiz o cão até que ele cedeu e aconteceu um paixão daquelas boas mesmo. Eu achava que estava amando loucamente.
Até que um dia soube, por ele mesmo, que a sua família chegaria para morar com ele em Campinas. Sua mulher e seus filhos.
Fiquei branca, bege, verde, cor de abóbora, mas segurei as pontas, afinal, foi eu que o seduzi, ele bem que tentou resisitir e quanto mais ele fugia, mais eu queria. Então agora, na hora que eu sabia o que estava por vir, eu só tinha uma decisão a tomar.
Pulei fora.
Pulei fora no mais alto grau de paixão por não querer viver um triângulo, por não saber dividir, por não querer sofrer lentamente, a cada dia. Pulei fora pela esposa, pelas crianças, por ele, por mim, pulei fora aos prantos.
Ainda me lembro. Eu sentada em minha moto vermelha dizendo para ele que nós não nos veríamos mais, que a partir dali tudo tinha acabado. Me lembro da sua imagem pelo retrovisor, ele correndo atrás da moto, suas mãos querendo segurar o banco de couro, chorando e gritando que ainda estávamos em com o cheiro um do outro na carne, que ainda estávamos um no outro. Mas eu não parei para ouvir porque meu pranto era ainda maior e eu tinha muito medo de fraquejar.
Fugi.
Fugi e arranquei ele de mim, arranquei como se fosse uma erva daninha que me invadia o quintal. Arranquei com raiz, com caule, com flor e fruto. Arranquei tudo e fiquei ali, esburacada, um vão de terra vazio sem nada de verde em mim. Não pensava nele. Não passava por onde ele passava.
A família realmente chegou e a minha vida deu voltas imensas que me levaram para longe, para a maternidade, para outro mundo. Eu esqueci ele.
Quando eu retornei a Campinas, depois de ter tido meu filho, separado, soube que ele tinha feito aquela canção. E que tinha gravado.
Ouvi sozinha sentada no tapete de uma sala que nem me lembro onde era, mas me recordo do calor que veio de dentro de mim, do meu peito chorando, os olhos secos, minhas mãos tremendo e eu ali, arriada no chão anônimo, ouvindo ele cantar para mim aquilo que sangrou nele, foi minha mão a do punhal e a culpa me doeu.
Naquela padaria, com aquele cafezinho em minhas mãos, eu soube por sua boca o tanto que ele doeu, o tanto que ele sofreu, da terapia, da sensação de ter sido trocado por um rapazinho mais novo, mais bonito, que tive filho e ele, daqui de longe, acompanhava a minha vida e sofria.
E eu, olhando as rugas que o tempo deu em seus olhos, alguns cabelos brancos, ainda um homem belo, não tanto quanto há vinte anos, mas ainda belo, e não me vinha nada para falar a não ser que eu era muito nova e não tive coragem de manter uma relação daquelas, e que eu pedia perdão por todo o sofriemento que causei.
Então hoje, ouvindo aquela canção na rádio, eu pensei essa canção foi feita para mim
e eu chorei, chorei agarrada no volante, chorei por um amor cortado na raiz, pela ironia, pelas encruzilhadas da vida, pelas escolhas que fiz, e principalmente, pela dor que causei.
Nunca houve outra canção para mim, além dessa. Não que eu saiba.
E me dói saber que uma linda canção como aquela foi regada de dor e desilusão, que eu inspirei no sofrimento e não na delícia.
É.
A gente não tem idéia do que pode causar no outro. Não sabe mesmo.
Mas, pelo menos, eu aprendi a pedir perdão.

9 comentários:

Anônimo disse...

Pode parecer cafona, mas eu adoro as musicas antigas de Roberto Carlos...e em uma dessas musicas diz....
Emoções
Roberto Carlos
Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você
E as mesmas emoções sentindo

São tantas já vividas
São momentos que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui

Amigos eu ganhei
Saudades eu senti partindo
E às vezes eu deixei
Você me ver chorar sorrindo

Sei tudo que o amor é capaz de me dar
Eu sei já sofri, mas não deixo de amar
Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi

São tantas já vividas
São momentos que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui

Eu estou aqui
Vivendo esse momento lindo
De frente pra você
E as emoções se repetindo

Em paz com a vida e o que ela me traz
Na fé que me faz otimista demais
Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi

beijinhos carinhosos do outro lado do oceano

Tatiana disse...

Adriana,
O amor é cafona pra cacete!
Eu bem sei, eu bem sei.

Anônimo disse...

Ai... chorei o dia inteiro hoje, Tatiana... chorar mais um pouco agora, ao ler sua história: o que me custa, né?

Ronaldo Faria disse...

Menina, nada como a saudade para podermos dizer: “Estou vivo!” Nada como a lágrima para podermos ter certeza de que essa vida é real, feita de emoções e paixões.Não como um mundo “perfeito” de autômatos, desses que são as tuas formigas. Ou o gado do Zé Ramalho. Há momentos em que dizemos: “Porque não fiquei, porque fiz isso ou aquilo, porque não me entreguei?” Talvez porque não fosse a hora, talvez porque não fosse o destino ou a sentença. Sei o que é isso. E sei também o que é recuperar um amor, décadas depois, com a força que talvez não tivesse há tempos atrás. Um amor maduro, desses de novela, de filme, de romance parnasiano, de conto naturalista, com toques de Nelson Rodrigues, quiçá... Coisa de Vinicius, de se entregar aos perigos, ao risco, às intempéries que um amor desse traz e dá. E dizer “que não seja imortal, posto que é chama, mas seja infinito enquanto dure”. E ele pode voltar em “ondas de café”, em goles de “vinho de bolinhas”, em salivas, numa verdadeira osmose de ações e reações. Logo, o que é a idade? Que idade temos? Que idade nosso amor terá? Que são rugas? Que são rusgas passadas? Que são fugas? Nada. A vida acaba sendo um nada, na sua finitude. Nós, na nossa finitude, nada somos. Apenas momentos, troca de sentimentos, desejos e paixões. Logo, entregue-se à saudade, dê-se à paixão, faça-se voltar ao passado. E queira até gerar de novo. Gerar filhos, amores, sentimentos, saudades, descobertas, lamentos. Você ainda é uma menina. Quisera eu voltar uma década e ter 40 anos... Eu sou um menino... Morreremos assim: cigarras, na busca da luz e do calor, saindo da terra para contarmos nossas dores e ardores. Ouvindo Raíces de América numa madrugada, impregnados do outro, antecipando um novo porvir.
Cuide-se! Viva! Seja! Para toda a “eternidade”.
Beijos e carinho.
Ronaldo Faria

Anônimo disse...

Cláudia
Eu também, mas depois, passou1

Anônimo disse...

puxa...
essa mistura de sentimentos às vezes aflige, mas mostra que se está vivo!
Lindo texto!
Beijo!

Anônimo disse...

Fiquei curiosa! Qual é a música????

Vivien Morgato : disse...

Lindo texto, como sempre.
Suas histórias de amor sempre me comovem muito.
E to em cólicas pra saber....que música é????????
Ser a musa de uma música me parece a coisa mais fantástica do mundo.;0)

Anônimo disse...

A múscia é aquela :
Você é doida demais....
Você é doida demais....
Doida ,muito doida...