sábado, 24 de março de 2007

Acordei cheia de um tipo de afeto, um carinho por mim e pelos meus.
Então fui ao meu fogão-magia e comecei a mandinga de amor.
Coloquei as batatas e a mandioquinha na panela de pressão. Pedi a mãe-água-panela que amaciasse os crus da minha alma também, que me amolocesse o coração, deixasse assim, nem tão duro, nem tão mole, no ponto exato para a mordida da vida.
Vendo a panela de pressão apitar, fui picar a rúcula e ralar beterraba. O verde profundo me enchendo os olhos, me trazendo esperança e saúde, aquele verde todo me agarrando os olhos, o cheiro perfumando a cozinha.
Meus dedos manchados de magenta. Mil pedacinhos de vermelho intenso. Paixão. Que a paixão venha paa mim e para os meus. Paixão que arrebata e mancha a história. Que venha!
Girando a panela de pau, que misturava os odores do arroz marrom, eu pedia força, mais um giro, coragem, mais um ainda, saúde, alegria...e o arroz ia se encharcando de meus pedidos.
Na liquidificador o maracujá sorria. Misturando tudo, transformando a forma sólida em calma líquida e terna. Um amarelo de sol que me aquecia. Sorri de volta.
A carne no forno aquecia todo meu ambiente. Agradeci por ser alimento. Agredeci e senti nascer em mim a gana, aquela energia forte de quem caça, pedi astúcia, esperteza, pedi rapidez de pensamento, justeza de julgamento e principalmente, perdi misericórdia.
A farinha pareceia véu de noiva derramando seus dourados sabores no prato. Cada grãozinho era a força da terra que estava ali. Estabilidade. Pés no chão. Pés no barro que um dia recebiam a mandioca sagrada. Todos meus índios, todo meu povo-vermelho olhando por cima de meu ombro.
A mesa colorida e perfumada.
Os meus ao meu lado.
Meus amores.
E eu, mandigando na manhã, e eles comendo meus sonhos e desejos.
Magia de panela e colher de pau.
Magia de mulher mandigueira.
Macumba doméstica.
Amor de mãe.
Carinho explícito.
Café no bule e cigarro na boca.
Moleza boa.
Dormidinha gostosa.
Pra recomeçar amanhã outra vez.

6 comentários:

Clélia Riquino disse...

O cio da terra
Milton Nascimento & Chico Buarque/1977


Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão
E se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, a propícia estação
E fecundar o chão

Foi ao que me remeteu sua mandinga culinária, Tati... além dos filmes: "Como água para chocolate", A festa de Babette", "Chocolate"... todos eles misturando comida, magia & arte!

bjo, cheiro,
Clélia

obs.: Bom te ver/ouvir outra vez...

Anônimo disse...

Isso é que é almoço... O resto é comida...
Beijos. Um lindo fim de semana pra ti.
Ronaldo Faria

Tatiana disse...

Clélia,
É sempre tão ver vocês nesses bares da vida!

Tatiana disse...

Mas é isso mesmo.
A magia que pode ser feita através da comida.
Como agua de chocolate total!

Tatiana disse...

Ronaldo,
Eu não faço almoço todo dia.
Faço comida mesmo. MAs hoje senti uma coisa, uma necessidade de transmutar as coisas, de alimentar as almas e assim, virei alquimista de sabores e ofereci aos meus amados.
Mas nem sempre eu sou generosidade.
Muitas vezes eu sou é prática mesmo.

Sandra Maria disse...

Querida, esse almoço foi mágico mesmo.Reencontrei mulheres sábias, mulheres mágicas ...