domingo, 14 de janeiro de 2007

Por entre as mesas, lá vem ele. Um negrinho de imensos olhos tristes vem costurando pelas pessoas, uns pacotinhos de bala nas mãos, um pedido de compra, uma oferta de desconforto naquela sua miséria.
Mínimo em seu tamanho, um cisco de gente, uma coisinha que deveria estar dormindo à aquela hora e não saindo de bar em bar, em plena São Paulo, pra ganhar o pão.
-Compra de mim, tia?
-Ô, meu bem, eu não tenho agora para te dar.
-Então compre uma comida para mim.
Meus olhos denunciavam que podia vir um maremoto de mim.
Apertei os dentes e tentei ser mais forte.
- Mas aqui é tudo tão caro, meu amor, e eu não estou com dinheiro mesmo. Será que tem uma padaria aqui por perto?
Não tinha e lá se foi meu pequeno saci indo embora. Aquela coisinha, aqueles olhos imensos e tristes foram indo embora até que ele se deu conta que havia música! Um violão sendo tocado, percussão montada.
Parou estático como se tivesse vendo a coisa mais impressionante de toda a sua vida.
Parado, escutava. Escutava mesmo, de verdade.Seríssimo. Compenetrado.
Eu olhando aquele momento, platéia da descoberta, parada também. Instantes de expectativas.
Aí eu vi nascer. Eu vi! Brotou ai, do meio daquela carinha triste, daqueles olhos sérios, daquele rosto de velho grudado em cara de criança, eu vi surgir o mais lindo, mais surpreendente sorriso.
Eu vi nascer a flor no asfalto. Eu vi o sol por entre as nuves. Eu vi o encantamento pela música mais espontâneo de toda a minha vida.
Vi, um menininho pedinte parar sua maratona, subitamente agarrado pela música e vi o mais lindo sorriso de toda a minha vida.
Aí, meus olhos virara maré alta e meu coração cresceu. Meu peito de mãe quis ser de novo leite e oferecer meu bico-música, minha teta-sonho, meu seio-canção.
Vi como a música alimenta a alma, mesmo de quem é muito, muito pequeno, muito carente, muito sozinho e sinceramente eu chorei.


Ele que também viu a cena, assim a descreve.

9 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, como você. Que a vida não se esqueça de nós e das nossas emoções e lágrimas que desejam matar a "fome" de todos.
Segue uma frase que descobri hoje.

“O verdadeiro valor de algo se mede pelo tanto que gostaríamos de recuperá-lo.”
Héctor Domingo
Escritor mexicano

Beijos. Carinho. Cuide-se.
Ronmldo Faria

Lígia Moreli disse...

Lindo, lindo mesmo. Meus olhos marejaram! beijos!

Vivien Morgato : disse...

"eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente".
Lindo texto.

Anônimo disse...

Eu sinceramente chorei lendo seu texto...
Na verdade, porque li hj sobre a indiferenca. O quanto ela doi, o quanto machuca, o quanto angustia. E parei para pensar em quantas pessoas dentre as que estavam no mesmo ambiente que vc tiveram a mesma sensibilidade, quantas viram nele e naquele sorriso algo especial.
Obrigada pela emocao...
E parabens!
Virei sempre aqui...
Bjossssssss

Carô disse...

De novo, sem as palavras... Lindo, Tati!
Beijo,
Carô

Clélia Riquino disse...

"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem peso da palavra nunca dita, prestes, quem sabe, a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de
uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

Clarice Lispector

Unknown disse...

Esse foi um dos textos mais lindos que já li em teu blog. Aliás, me lembrou Fernando Sabino em seu "A Última Crônica". Procure ler esta crônica buscando pelo nome. É tão legítima quanto a sua, em todos os aspectos. Ah, e ainda estou esperando aqueles seus textos em arquivo único, pelo word. Vamos começar a trabalhar nesse livro? Beijos.

Anônimo disse...

Meus olhos encheram d'água também...

Ana Paula Xavier disse...

...é tudo verdade...eu tb tava lá
lindo e trágico na mesma proporção