segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

O Natal

Não posso deixar de contar as histórias do meu Natal.
Cronista do dia a dia, é isso que eu sou.
Eu era a única mulher que reinava absoluta no meu reino, a cozinha. Como rainha que eu era, sabia das minhas obrigações e não fugia delas. Lavei quatrocentos e vinte e dois copos, piquei em minúsculos pedaços o sagrado aimpim, fiz a multiplicação dos camarões para que rendessem uma panelão de bobó, que modéstia jogada às favas, estava divino. Na verdade ficou um bobo de aimpim temperado com camarão. Quem achasse o bichinho se dava por satisfeito. Mas o medo de faltar comido para um bando de marmanjo me fez fazer um panelão imenso.
Meu pavê foi um sucesso de público e de crítica. Nem eu resisti e comi muto mais do que o espelho me permite.
Provei um vinho sul-africano que era uma indecência, depois tomei um outro brasileiro muito bom e arremantei com outro argentino. Neste momento todo mundo era divino e maravilhoso, o Papai Noel era um cara muito legal, Natal era a festa mais linda do mundo e todos ali eram meus amigos de infãncia que eu considerava pra caralho.
O violão sibilava canções atuais. Até um clarinete gemia alto causando estranheza em meus cachorros, desaconstumados àquele som alto e agudo. Teve um momento que pensei que a velha Cacau fosse saborear a mão do clarinetista. Foi um momento tenso. Mas ele só bufou e voltou a dormir. O pote de açúcar tem um som muito bonito quando tocado com uma colher de pau. Lembra vagamente um tambor de crioula e quando se raspa uma faca em um prato ( sujo de bobó) se tira um som muito agradável de reco-reco tímido. Lindíssimo!
Em cada música tocada um dos presentes caía no choro, desavergonhado, assumia que nascia uma mina no canto do olho esquerdo e chorava despudoradamente. A sádica que existe em mim me dava ímpetos de cantar Maísa, Lupicínio, Tom Jobim daqueles bem doídos mesmo. E ele chorava mais e mais. E eu ria do meu poder úmido. Eu, além de mandar e desmandar naquela cozinha, meu reino, ainda tinha o poder de fazer o pobre coitado chorar sempre que ele estava com os olhos secos e a noite já começava a ficar morna. Aí eu cantava, ele chorava, saía para fungar no quintal e eu me sentia a rainha da cocada preta.
Não consegui me manter a cordada depois das duas da manhã. Fui dormir e deixei todos os homens tocando, rindo e chorando, lambedo o panelão de bobó e acabando com o pavê que eu tinha uma ilusão que fosse durar para o almoço do dia 25.
Passei o Natal lendo meu presente, As Crônicas de Nárnia, parei só agora para vir aqui escrever e hoje tenho a certeza absoluta que meu gato Miró e descendente direto de Aslam, o Leão.
Meu filho já está comigo e se uniu a trupe dos trogloditas, comendo qualquer coisa que pareça comestível. Meu reinado continua, do fogão para ,a pia, da pia para o tanque do tanque para a vassoura, da vassoura para o fogão de novo, achando algum tempo para ir correndo ao mercado mais próximo comprar víveres para meu rebento e companheiro.
Meus homens estão em uma batalha sangrenta. O Playstion faz calos em seus dedões e eles, finalmente, me deram sossego pois a mais de 12 horas só ouço grunidos e berros e tenho certeza que não é meu nome já que eu não sou filhadaputa, nem jogodosinfernos, nem molequeviciadofilhodeumaégua.
Finalmente encontrei a paz!

Vi trogloditas divertindo-se e repetindo de 4 a 6 vezes o prato de bobó. A panela amanheceu vazia e lambida. O pave foi devorado também e eu me arrampendi de não ter feito duas receitas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Precisa tomar umas lições com minha mãe. Depois da farra malandro não descansa, ajuda na limpeza.
Excelente 2006 pra você, seus homens da caverna, suas músicas e suas letras.

Anônimo disse...

Tatiana, tem bolo mousse de chocolate aqui ainda, quer? Pelamordedeus fala que quer pq eu tbm comi mais do que o espelho permite e espero que o biquini entre na praia..rsrsrsrs.
Passei o domingo limpando a casa, será que vale como malhação?
Beijos e Feliz Ano Novo.
Vc vai pra praia tbm?

Tatiana disse...

vale sim. ,limpeza pós festa é malhação puxada!!!
Vou não!! Trabalharei direto!

Tatiana disse...

marcos..
fui dormir a a cozinha ficou por conta dos meninos...
sim..eu arrumaria muito melhor, não deixaria uma panela lambida no fogão, por exemplo, mas estava tudo limpo.
Mas eu continuava exausta.
Sua mãe é uma mulher sábia. Um brinde a ela!

Anônimo disse...

Menina, que legal ver tua alegria depois de uma noite ímpar. Hoje, olhos doendo de chorar pela morte de um brasileiro, negro e lutador, amigo, fico feliz por ti, teu bobó e festa. E mais feliz pelos teus "erros" sem copidesque. A vida, esta coisa curta, vale pelas emoções, não pelo "normal" de umas bestas que acham que o português tem ser correto. O que vale é a emoção.E você é: a flor da pele!
Que pena eu não ser um desgarrado, mesmo sendo...
Também dormi antes da hora de 24 para 25: cansado, estressado, febril. Não se culpe. E viva o bobó e o Manoel que você não conheceu.