O som saía das caixas e eu ouvia a minha voz cantando. Achei bonito e ri. Meu corpo marcava a pulsação, instintivamente. Uma canção para trás mas que, mesmo assim, me dava vontade de dançar.
Fechei os olhos e fiquei ali, sentindo as delicadezas das notas, a forma que o acordeon chorava, aquela pungência, aquela moleza boa, malemolente. Ri mais uma vez por ouvir minha música com ouvidos de dançarina e não de musicista, por ouvir minha música com meu corpo todo.
A mão em volta da minha cintura era firme e eu me deixava levar. Mole. A respiração no meu pecoço de deixava mole. Minhas pernas estavam moles. Minha cintura se desmanchava, mole. Devagar ele marcava a canção com os quadris ..." sem teus dentes em mim, nunca mais me conheço..ai ai..nunca mais me conheço"...os pés mal saíam do chão e a pressão nas minhas coxas me distraía. Fui desmanchando, desmilinguindo, fui virando nota, som e corpo, "...pra minha desgraça pulo de cabeça na sua trapaça mesmo que amanheça, ai ai...", eu era um pedaço de respiração cortada, eu era um acorde tenso, a corda tesa do meu violão.
A música, as coxas, a mão na minha cintura, o quente no meu pescoço, os giros lentos, tudo muito lento, tudo feito com delicadeza, tudo girando devagar, eu girando devagar, minha mente nem pensava mais, minha mente nem estava ali, eu era meu corpo e era a música, um quente que vinha da minha barriga, meu joelho flácido, minha mão suada, meu sorriso em fuga, meu coração aos pulos. ..." gosto de cachaça, gozo de condessa, marca de arruação sobre a pele espessa"...O final chegava. Dobramos o tempo. Mais rápido. Volta a ser calmo, menos o batuque dentro do meu peito. Mole. Beirava a indecência. Delícia desavergonhada. Um giro maior, a mão na minha cintura me segura e meu corpo é jogado pra trás, nem medo de cair tenho mais..."pra minha desgraça, pulo de cabeça...". A música vai acabar. Não! Não quero que acabe. Sem espaço, ainda mais junto, sem pressa, sem pudor. Não sou eu que rodo pela sala, o mundo que roda em minha volta. O mundo era aquilo ali. Eu dançando a música que fiz. Eu mole. Eu sem comandar nada. Levada. Conduzida. Descansada de tanto decidir. Sou uma e sou dois. Sou mais que um. Sou mais do que sempre fui. Sou música, sou dança, sou gente, sou corpo, sou carne, sou uma coisa que nunca tinha sido.
O fim se aproxima, bem sei. Penso que deveria ter feito uma música maior, mas não fiz. A mão na minha cintura me aperta para mais perto e eu fecho os olhos.
Não sei quanto temp fiquei assim, mas ainda sinto a marca de arruaça na pele espeça. Um gosto de cachaça, um gozo de condessa. Água de cabaça, basta que ofereça.
Água de Cabaça
letra de alexandre lemos
música tatiana rocha
se você não me abraça minha vista se embaça
e é como se a água deixasse ai ai deixasse a cabaça
escorresse na terra pedindo a poeira
sem teus braços em mim ah,nunca mais sou inteira
ai ai ai ai nunca mais sou inteira ai ai
se você não me laça minha hora não passa
e é como se a água deixasse a cabaça
e secasse na pedra escolhendo o deserto
sem teus laços em mim nunca mais me liberto ai ai ai aiai
ah, nunca mais me liberto
se vc não me caça minha vida é sem graça
e é como se a água deixassea cabaça
sem teus dentes em mim nunca mais me conheço ai ai
Ai ai ah, nunca mais me conheço ai ai
pra minha desgraça pulo de cabeça na sua trapaça mesmo que amanheça
mesmo que me faça o que eu não mereça
quando me amordaça pra que eu não te impeça
quando me ameaça pra que eu não te esqueça
gosto de cachaça gozo de condessa
marca de arruaça sobre a pele espessa
água de cabaça basta q ofereça
pra minha desgraça pulo de cabeça
na sua trapaça mesmo que amanheça
mesmo que me faça o que eu não mereça
quando me amordaça pra que eu não te impeça
quando me ameaça pra que eu não te esqueça
gosto de cachaça gozo de condessa
marca de arruaça sobre a pele espessa
água de cabaça basta q ofereça
3 comentários:
Bonito...gozo de musicista plena.
Como se fotografa um momento desse né? Seria a capa perfeita!
Tive o prazer de ouvir,ontem, essa canção ... é, realmente, de mexer com a gente!
Maravilhosos versos!
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