terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Bruxismo

Minha gloriosa dentista já tinha me dito que eu tinha bruxismo - aquele ranger de dentes durante à noite - e isso está desgastando meus dentinhos. A solução é eu usar uma placa de silicone duro, uma camisinha super sônica para dentes. É uma coisa horrorosa que me faz falar cheia de "exes" na boca, ninguém entende nada, parece que tenho a língua presa e deve ser profundamente broxante.
" Deve ser", digo eu, porque nunca quis conferir. Durante um bom tempo aposentei a danada para garantir uma pele lisinha e um humor leve.
Garanti e me fodi. Estou pagando o preço por esta decisão baseada somente em meus instintos primários. Estes instintos primários sempre me foderam mesmo. Foda os instintos primários.
Duas rachaduras nos dentes que levaram à cáries, obturação, anestesia e o escambau e agora eu não durmo sem a placa por nada deste mundo.
A placa virou meu sinal particular de " agora deixa de papo e vamos dormir". A placa é a sirene que avisa que acabou-se a festa. Funciona que é uma beleza.
Estava eu sonhando um sonho muito do agradável quando ouço alguém no meu portão. Levanto da cama, o cabelo parecendo um ninho de mafagafinhos, meto a cara na janela e vejo um belíssimo espécime masculino vestidinho com roupa de correio. Uma estrega de sedex. Saio cambaleando lá pra fora, coloco a primeira roupa que encontro e saio pra abrir o portão. Os cachorros querendo comer as vísceras do carteiro bonitão, eu tropeço nos gatos que insistem em se enroscar em minhas pernas.
-Bom dia - me diz o gentil carteiro com dois braços que são de fazer inveja a qualquer marombeiro compulsivo. Ele carrega pacotes e mais pacotes de material gráfico do projeto do infantil e dá pra ver os movimentos dos músculos.
Realmente tá um lindo dia, penso eu ainda no clima do sonho agradabilíssimo.
- Por favor, seu RG e assina aqui.
Assino, meu filho, assino onde você quiser.
-Seu RG?
-Trex doix xinco xinco nove oitcho...
Esqueci de tirar a placa da boca! O carteiro me olhava como quem não entende nada, e não devia entender mesmo.
-Dexculpa, to uxando a placa...
Tiro placa. Nessa hora Tila, filadaputa lazarenta, pula e mim e a placa que nem tinha saído direito da boca voa pelos ares.
Eu vejo a cena em câmera lenta.
Acho que grito " nãaaaaaaaaaaaaaaaaao" e vejo a danada voar alto, tento pegar no ar, não dá certo. Ela bate em minha mão, sobe lentamente, começa a descer e...
E a merda da cachorra abocanha a placa e sai correndo pelo quintal com a placa na boca. Eu tinha aberto o portão pra pegar os pacotes e a cachorra sai correndo pela rua com a placa na boca. Eu, louca, saio correndo atrás da cachorra. O carteiro apavorado porque todos os cachorros saíram correndo e ele achou que fossem atacar ele. Corre pro carro do correio, se atrapalha na hora de abrir a porta. Cacau, a outra cachorra, vendo que ele correu, corre atrás e agarra o calcanhar dele. Carteiro berra, eu berro. Tila vendo o berreiro solta a placa e agarra o outro calcanhar do carteiro. Eu corro em direção a placa que está no meio da rua, me abaixo pra pegar. Um carro entra na esquina no maior pau e freia em cima de mim. Eu, toda descabelada, descalça, com um short velho e rasgado, a bundona pra cima, levo um susto do caralho. Berro mais uma vez.
As cachorras vendo eu berrando largam o carteiro e avançam para a roda dianteira do carro e latem, latem, latem. Eu não acho a placa que é transparente. Fico meio que de quatro no meio da rua. Os cachorros latem histericamente. O motorista do carro de boca aberta e eu falando pra ele não andar com o carro que a placa pode estar debaixo do pneu. Tila achando que estamos todos latindo pro carro, pula de satisfação em mim, mais uma vez e eu caio de joelho na rua. O carteiro está dentro do carro do correio e não sai de lá por nada. Mancha, o único macho da casa, vê um outro cachorro solto na rua. Parte pra briga e ele é velho mas muito bom em brigas de rua. A dona do outro cachorro grita para separar. A placa no meio da rua. As cachorras esquecem o carro e avançam no cachorro que Mancha atacou. O carteiro buzina pra ver se assusta o cachorro. Eu acho a placa, seguro forte e vou em direção a briga de cachorro. Pego Mancha pelo rabo e arrasto pra longe. O outro cachorro avança em mim. As cachorras me protegem e avançam nele. Solto o Mancha e tento separar Cacau que está mordendo o pescoço do outro cachorro. O motorista do carro desce e vem me ajudar. Não puxa o freio de mão, o carro vai escorregando lentamente sem ninguém dentro e encosta no carro do correio. O carteriro berra. Eu berro. O motorista berra. A dona do cachorro berra. Todo mundo berra.
Sem mais nem menos, os meus cachorros voltam correndo pra casa, o outro cachorro sai correndo rua acima, a dona do outro cachorro corre atrás, o motorista do carro vai ver o carro e o carteiro não pisa na rua nem por decreto, morto de medo dos meus cachorros e, certamente, de mim.
O motorista do carro me olha feio, entra no carro e me lança um " vai se fuder" em forma de bom dia. Sai cantando pneu.
Eu olho pro carteiro e continuo:
-Tres dois cinco cinco nove oito...
E assim começa mais um dia em alguma rua de Campinas.

Um comentário:

N. Calimeris disse...

Puta que pariu! Parece coisa de filme... imaginei a cena toda. É. Barra qualquer história minha, até a do cadáver no dia do casamento!