terça-feira, 26 de agosto de 2008

meus bichos de mim

Quando acordei me senti uma ursa saindo de sua caverna de inverno logo depois da sua hibernação anual. Um bocejo de duas horas e uma vontade louca de me coçar em algum tronco coberto de musgo.

Um pouco mais tarde já me sentia uma leoa.
Olhava em volta, procurava os sinais, cheirava o vento.
Deitei languidamente ao sol e esperei.
Dava pra sentir o barulho de minha cauda batendo na terra. Fiquei ali esfregando minhas costas no chão, mostrei as garras, ronronei alto, tentei pegar meu próprio rabo.
Pura encenação.
A qualquer momento posso dar o bote.
Um bote fatal.


Aí tive o momento de abelha.
Pra lá e pra cá. Prá lá e pra cá.
Ainda bem que meu trabalho é procurar flores, pólen, sucos, sabores, cores, cheiros.
Meu trabalho é descobrir os sentidos.
Em mim e nos outros.
Meu trabalho é invadir a flor, capturar, perpetuar e transmutar.
Intenção e mel.
Doçura e ferrão.


Com a chegada da noite, a loba.
No meio do quintal, uivei longamente pra a lua que morre lentamente no céu.
Não era um lamento. Era um chamado.
E em cada esquina reverberou meu som e outros uivos foram se ouvindo.
Cada esquina tremia.
Meus pelos tremiam.
Minha língua tremia.
E sob meus pés até a terra tremeu.
Eco ou resposta?

Agora, no instante que me preparo para dormir me sinto como uma grande gata doméstica.
Sei que amanhã meu potinho de água estará cheio e minha ração será fresca e perfumosa.
A casa é minha.
O mundo todo é meu.
A lembrança das velhas caçadas atiça meus instintos mas a preguiça é quase virtude.
Ronrono delicadamente entre meu cobertor felpudo e penso quando voltarei aos becos.
Sinto saudade dos becos escuros, dos saltos nos telhados, das cantorias que misturava som e perdição, esbórnia e poesia, brigas e alvoroço. Sinto falta da adrenalina.
Mas o calor do meu cobertor é realmente irresistível.
Enquanto lambo as patinhas, espero o cio começar.

E adormeço no meu casulo.
Aqui tudo é justo e certo.
Amanhã borboletarei por aí.
Gosto de acreditar que quando adormeço lagarta sempre amanheço como um pedaço do arco-íris. Multicolorida, efêmera e simbólica.
E no fim de minhas asas existe uma serpente e um pote de ouro.
Tem que saber escolher.
Inspiração ou tentação?

Um comentário:

figbatera disse...

Hum, vc é mesmo muitos "bichos"...