terça-feira, 26 de agosto de 2008

saudade súbita

Aquela canção sempre mexeu comigo.
"Espelho" do João Nogueira fala da relação com o pai.
Quando os acordes começaram a vibrar dentro do carro eu já sabia o que ia começar.
Fui ouvindo. Uma ternura mansa em mim.
E antes que o sinal pudesse abrir outra vez, lá estava eu chorando um choro livre e solto.
Chorando de saudade de meu pai que morreu a quase trinta anos.
Chorando e pensando como ele seria hoje. Se ele gostaria das minhas músicas, da vida que eu levo, das escolhas que fiz.
Chorando e pensando se com ele eu conseguiria pedir colo, se seria no ombro dele que eu me esconderia em horas de tufões e tsunamis. Se ele saberia me secar as lágrimas. Se ele brigaria por mim, mesmo sempre me ensinando a me defender e a vencer. Se me deixaria brigar como tantas vezes briguei.
Senti saudade de tudo que não tive com meu pai nestes anos todos. Ele não soube do meu primeiro beijo, do meu primeiro namorado, da minha primeira transa. Não me deu conselhos masculinos, não me deu esporros, não botou o dedo em minha cara, não me assoprou o joelho ralado, nunca me viu cantar.
Chorei pensando como seria cantar e tocar junto com meu pai os tantos sambas que ele cantava. Se ele ousaria rabiscar algumas letras em um papel de pão e me dizer " vai filha, trabalha nisso aí".
Imaginei a sua famosa sobrancelha subindo criticamente quando eu apresentasse meus namorados.
Meus filhos que nunca viram o avô.
Que tipo de avô seria?
Que tipo de pai meu pai seria hoje?
Chorei.
Chorei sem vergonha alguma de chorar no trânsito. Chorei na frente do moço que queria limpar meu vidro. Chorei do lado da mulher que falava no celular enquanto dirigia. Chorei na parada do outro sinal e vi o mocinho prestar atenção nos meus soluços.
Cheguei em casa, observei tudo em minha volta. Lembrei da última vez que chorei por meu pai. No show do Guinga a emoção foi me tomando de uma forma incontrolável. Senti a mão do meu pai no meu ombro aquele noite e chorei por isso também.
Hoje não sinto a sua mão sobre meu ombro. Sinto só essa saudade daquilo que nunca tive.
E um silêncio imenso me rodeia e eu canto um samba, a capela, para meu pai. Apoiada no batente da porta da cozinha, olho o céu e canto. Um dos gatos senta ao meu lado e parece que canta também enquanto me olha dentro dos olhos. Um copo de vinho na mão. Um cigarro na outra mão. Um samba cortando o tempo e a morte.
Um vento súbito mexe em meus cabelos e eu me arrepio.
Meus olhos molham outra vez e eu sorrio.
Canto mais alto e meu sorriso também aumenta.
Minha saudade me sorri.

7 comentários:

Anônimo disse...

Lindo!
Com certeza ele sorriu com você!
Me emocionei aqui.

Marina F. disse...

é, de saudade de pai eu entendo. mas quem sabe eles não estão lá em cima trocando uma idéia?
bjs.

Menininha bossa-nova disse...

Bonito, Tati. Bonito mesmo. Deve ter sido uma cena linda.

Eu também chorei ontem no trânsito. Por motivo diferente, mas chorei também, sem me importar com olhares dos outros carros e dos pedestres...

Beijo e saudade!

Anônimo disse...

Tati,
Sem querer derrubar toda a poesia do seu texto (que é emocionante), tenho que dizer uma coisa! Pior do que sentir saudades do que nunca teve, é não sentir saudades do que teve... digo isso porque ainda tenho meu pai, mas não tenho do que sentir saudades... nem sempre eles são como a gente gostaria... nem sempre temos o colo ou o ombro quando precisamos, apenas pelo fato da presença física dele... tem pais que estão apenas fisicamente.... Ainda bem que você não soube como ele seria... assim terá sempre dentro de si essa poesia... desculpe meu desabafo!!! Beijos no seu coração! Permita-me não me identificar...

Anônimo disse...

Na minha próxima vida eu quero ter um pai assim como vc falou...
Quero que meus filhos tenham também...
E se não der, quero SER esse pai, pra quem quiser...

Anônimo disse...

puta que paril!!!
agora não vou conseguir dormir

Anônimo disse...

"Êh, vida boa. Quanto tempo faz..."
Cuide-se.
Beijo
Ronaldo Faria