sábado, 14 de junho de 2008

Eu e minhas idéias de merda

Eu bem que devia saber que um lugar que começa o som a meia noite não devia prestar. Eu devia intuir que um lugar que começa o furdunço a essa hora é " a" curva de rio, só pára tranqueira.
E quem era a besta que ia tocar lá?
Eu e Ugo, é claro.
Duas bestas completas, cansados pra cacete antes de começar a tocar e imaginando que segurar o som até as quatro da matina não ia ser fácil.
Eu pensava:
-Sou uma besta. Uma vendida. Toma, filha da puta, pra largar mão de ser gananciosa. Agora aguenta!
Logo de cara, o bar vazio ainda, afinal nem era meia noite e meia (!), e já tinha um cara muito, muito bêbado. Minha intuição avisou que aquele era um tipo que daria trabalho e eu que não sou de virar as costas para as minhas intuições, nem olhava pro tal. Evitar contato visual, uma regra ótima para bêbados chatos.
E ele ficava berrando a dois palmos de minha cara. Eu pensando: tocar em terra estranha é uma bosta porque se eu precisar dar um cacete em alguém, posso apanhar do bar todo. Eu medindo a distância entre minha boca bico largo e a fuça dele. É. Eu acerto a testa dele com um chutão, caso ele venha me apalpar como está apalpando todas as mulheres. Uma porta de vidro a minha esquerda. Não adianta sair por ai, dá no banheiro masculino. A única rota de fuga é pelo corredor estreito, apinhado de gente. É..tem que segurar a onda e manter a calma.
Nunca vi tanta puta feliz e cantante junta! Cada modelão. E o mais incrível, puta xexelenta mas com bom gosto musical. Ou era a cachaça que fazia acharem tudo tão lindo.
Povo esquisitíssimo!
Nunca vi tanta gente feia em um lugar só. E ao mesmo tempo fazia anos que eu não tocava para um povo tão animado. Cantando e dançando tudo que eu mandava!
Um loirona oxigenada com barriga de fora escorregando por cima da calça pára na minha frente e fica cantando e sorrindo pra mim. Cruz credo. O cinto de metaleiro apertava as carnes de forma masoquista. Ela tinha um brilhantinho no dente da frente. Praticamente uma pomba-gira fashion.
Um coroa que se deitar, morre, me olha lascivamente. Ai meus sais.
Uma mais arrumadinha puxa papo com Ugo. Eu de olho nela. Te dou um cacete, penso, mas sorrio, simpática. Cantora tem que aguentar xaveco no músico. Quem mandou namorar músico?É, mas tudo tem limite. Qual era a rota de fuga mesmo?
O bêbado, aquele do começo da noite, passa a mão em todo mundo, tenta beijar qualquer coisa que pareça ter xereca. Não beija ninguém mas me irrita profundamente.
Uma motoqueira sem moto me dá uma encoxada no banheiro. Ops, desculpe, diz ela, rindo da minha cara.
Tô na curva de rio, me lembro subitamente.
Finalmente a noite acaba. Vou avisando que encerramos o som, já são quatro horas da manhã, né?
Quem vem me pentelhar? Quem vem pedir mais duas, mais três? Quem quer mesmo é tocar o MEU violão e encerrar a noite? Claro, ele, o bêbado.
"Canta mais uma?"
"Não"
"Então me deixa tocar."
"Não."
"Porra, deixa de ser chata."
"Não."
Pela primeira vez olho dentro do olho dele. Não, não e não!
Guardamos tudo rápido, colocamos os instrumentos nas capas e não é que o maldito sobe no palco disposto a pegar o violão?
Finalmente vi o tamanho de Ugo servir para alguma coisa além de trocar lâmpada sem precisar de cadeira. Só deu um berrão "ÔOOOOOOOOOOOOOOOO, aí nem pensar!" que fez o bebinho dar um pulo de susto e sair mansinho, mansinho.
Neste exato instante uma mulher gorda e bêbada começa a passar mal do nosso lado. Carregar aquela criatura e como carregar uma capivara morta. Quando eu olho pra ela vejo uma cena que me perturba até agora. O casaco de couro vermelho sobe, a camisa sobe e revela um bundão imenso branco com uma tanguinha de oncinha minúscula que subia pelas costas. Uma visão hedionda. Tenho tido pesadelos com aquela bunda. Pulo a mureta, minhas pernas passando a milímetros do corpo de um cara imenso e volto pro palco porque se ela vomitar do meu lado, eu vomito em cima. Fujo covardemente.
Explico a situação pro cara grandão e ele ri e me diz que adorou o cd que tinha comprado de mim há duas horas atrás. Tinha ido embora, deixou a namorada em casa e voltou pro bar, pra tomar aquela saideira, mas fez isso tudo ouvindo o meu cd.
Sei, sei..safado da porra. Voltou pra putaria, né?
Homem é foda. O mais engraçado que ele foi eleito por nós como o cara mais legal que conhecemos naquela noite. O " Gente Boa". Gente boa e safado.
Preciso implorar para que me paguem logo porque se continuar neste ritmo só consigo ir embora as seis da manhã.
Pegamos a estrada de volta com a certeza que somos duas bestas. Duas bestas cansadas. Exaustas, mas ainda duas bestas.
Agora eu me pergunto onde está o glamour da vida de cantora? Na casa do caralho, só pode ser.
Quando eu ouço o povo dizer que quer cantar na noite, que acha o máximo essa vida eu adoraria levar quem me diz uma coisa dessa para passar uma noite de terror desta, só pra sentir como é a real. Quero ver se ainda quer.
Vai estudar, aconselho. Larga de besteira.
Ninguém me ouve.
Nem eu.

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