terça-feira, 16 de outubro de 2007

Estava eu no meu quarto, posição de Lótus, o livro com as orações pousado sobre meu colo, a fumaça do incenso perfumando o ambiente, a luz da vela bruxuleva de forma hipnótica e eu rezava.
Para chegar ao Nirvana faltava só um pulinho e virar à direita, tava ali, quase lá.
Aquele barulhinho de sempre. Bzzzzzzzzzzz. Bem na orelha. Imersa em tanta Paz e Luz mal tive forças para afastar o pernilongo que insistia em murmurar alguma coisa em meu ouvido.
-Sai pra lá, amiguinho, estou tentando meditar e chegar ao Nirvana.
Esse pernilongo deveria ser um tanto surdo porque continuou a interferir no meu momento zen-total-radiante.
Bzzzzzzzzzzzzzz.
Sem pensar no que estava fazendo, dei um tapa na minha orelha e ainda consegui ver o bichinho voando para mais longe.
Judiaçao, pensei eu. Um dia só de vida e eu aqui estapeando o coitadinho. Pernilongo é natureza também. Vou vibrar o tom rosa para que ele sinta as vibrações amorosas e me deixe meditar em paz.

Não sei se foi o tom rosa, mas sei que o tal pernilongo voltou e voltou de turminha. Um monte de pernilongo.
Um olho aberto e o outro fechado. O olho aberto acompanhava a trajetória do bicho em direção à ponta do meu nariz.
Cacete, viu? Como é que se medita e reza com esse ataque de pernilongo?
Dei uma livrada certeira que deixou o bicho esmagado na parede.
Nessa hora, toda a corja de pernilongos se uniu contra mim. Foi um ataque em massa, em bloco. Um na cabeça, outro na perna, outro no pé. Parecia que eu estava sofrendo retaliação pelo assassinato, a prova era o corpo estatelado na minha parede.
Ou era eu, ou era eles.
Não tive opção. Me lembrei dos monges budistas que pegaram em armas para defender o Tibet quando a China invadiu.
Se eles podem, eu também posso.
Natureza é o caralho! Vem cá que eu te pego!
E começou a batalha.
Com algum sinal secreto foi sendo chamado mais e mais bichos. Uma nuvem negra e flutuante sobre mim.
Eu já tinha mandado o nirvana pra casa do cacete e queria mais era matar pernilongo. Meu livro de oração era uma arma, mas os diabinhos eram rápidos e fugiam com o deslocamento de ar. Eu tinha que ser mais rápida, mais forte e mais letal.
Um bicho imenso, gordo, certamente do sangue de meu filho, voava obesamente bem na minha cara. Matei no tapa! Pá! E o defunto pregado na palma de minha mão me deu uma gastura medonha, eu sai pulando pelo quarto, ai ai ai que nojo, esfregando a mão na colcha da cama.
Um momento de fraqueza. Nessa hora fui atacada de forma vil. Acho que uns dez. Não! Dez não, acho que eram cem, mas cem pernilongos graúdos, saca? Daqueles alimentado com sangue A positivo. O meu, por sinal.
Me deu a louca. Me vi em pé na cama, uma desvairada, tentando acertar cada ponto preto voador que eu via. Minha mão vermelha de tanto tabefe que eu distribuía na parede. Morram, seus bichos inúteis! Morram! Morram!
E eu, só de camiseta, pulando na cama, virando para a esquerda, para a direita, apurando os ouvidos e berrando. Porque eu poderia assustar no grito algum deles e assim ter alguma vantagem. Se desse sorte, matava de susto. Olhava com atenção pra ver se achava algum meio pálido, talvez mais fraco, trêmulo. Nada. Deviam ser realmente surdos esses imbecis.
Com meus gritos, recebi ajuda. Meu filho Matheus veio em meu socorro com sua sandália havaiana verde bandeira e foi praticamente uma chacina.
Ali, meu filho, pega o filho da puta!
Iáaaaaaaaaa! Uma sandalhada certeira e está lá o corpo estendido no chão. Vários cadáveres de pernilongo.
Eu suava já, estava toda descabelada. Sangue salpicado por todo lado.
Acabou? Não vão vim mais? Cadê a turminha? Cadê vocês? Vem, seus porras, vem que eu quero ver! Porque eu mato, porque eu aconteço, porque eu quero sangue, porque eu não tô nem aí se vocês precisam comer! Vem pra cá, seus merdas, que eu mato um a um!!!!!
E fiquei lá por alguns momentos, pulando na cama, como um lutador de sumô, muito ameaçadora.
Percebi que alguns poucos haviam sobrevivido, mas a cena desse assassinato em massa tinha causado um grande choque psicológico e eles estavam paralisados de terror.
Eu vencera!
HAHahhahahahahaha
Eu era invencível mesmo.
Mandei Matheus voltar para seu quarto e fui lavar o sangue que estava em minha mão.
Sentei novamente em posição de lótus, o livro de oração ( ainda com vários bichos cheio de perninhas grudados nele) sobre o colo, a fumaça do incenso perfumando o ar, o brilho da vela fazendo sombras na minha parede salpicada de corpos, fechei os olhos e respirei fundo. O nirvana. A paz além da paz. O encontro com o todo, com o Uno, com a...
Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.

5 comentários:

Vivien Morgato : disse...

Parece que o ataque nos pernilongos mortíferos pegou todo mundo mesmo...rs...minha mãe escreveu um texto sobre isso tb. Ô vida.
Eu muito tb, quase tanto quanto quanto eu ri com aqueeeeela história. Nos dois casos eu torcia: morre, morre, miserável...rs
beijos.

Claudia Lyra disse...

Culpa de sangue em plena meditação?!?!?!? HAUAHAUAHAUAHAUAH...

Adriana Barreiros disse...

Os mosquitos provocam mesmo este tipo de catarse! hehehehehehehe
Bjks de Nini

Lord Broken Pottery disse...

Tatiana,
Dei muita risada com o seu texto. Lembrei-me de meu pai, sobre a cama, louco de ódio atrás dos pestinhas. Eu tenho muita sorte com eles. Não gostam de mim, nem chegam perto. Certa vez imaginei ver um se afastando, tampando o narizinho. Acho que não lhes agrada o meu cheiro. Que bom!
Beijo

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Tatiana,

Teu blog é aquele com o qual mais eu me divirto entre todos os que visito freqüentemente. É comum eu me pegar gargalhando, feito um tonto, em frente da tela do computador. É, curiosamente, aquele no qual eu menos comento. É que teu texto é tão divertido que qualquer comentário meu ficaria "sem sal".