domingo, 20 de maio de 2007

A tal da virada cultural

Foi assim.
Toquei até a meia noite. Saí correndo eu fui para o Centro de Convivência, o teatrão daqui da cidade, assistir Jussara Silveira.



Ela não me impressionou muito, mas o guitarrista que a acompanha é o bicho! Ela estava com um roupa linda, uma saia rodada de chita estampadona. Linda! Um repertório impecável, mas eu tive a impressão que seu comportamento no palco era meio artificial. Não sei explicar. Uma coisa muito pensada, talvez, meio ensaiadinha demais. Vira pra lá, vira pra cá. Coisas assim, cheia de marcação. Mas ela tem os movimentos de braços mais bonitos que eu vi em uma cantora. Esse show começou pra lá das duas e meia.
Depois tinha mais um show marcado para as quatro da manhã. Lá estava eu e a trupe dos loucos por música.

Laura Finochiaro.




Essa conseguiu ter a roupa de show mais medonha que uma pessoa pode imaginar. Uma saia de lantejoula preta, com uns buracos, uma bota, tipo coturno, uma coisa que sei lá o que pareceia. Medonho. E uma bandona com ela. E um guitarrista que sampleava timbre de piano na guitarra. Nem sei o que dizer disso. Estranho, no mínimo. E um puta de uma baixista. Um coroa barrigudo, já deve estar chegando lá na casa do cinquenta e , puta que me pariu, o tal do baixista era o cão! Uma energia, um tesão de estar lá no palco, muito bom de se ver. Chulepa, Bixiga, Ximbica...era um nome mais ou menos assim. Não me lembro. Ah, caramba! Mas eram mais de quatro da manhã e eu esqueço os nomes dos meus filhos. Não vou me lembrar o nome do baixista. Mas eu devia porque ele era o cara daquele show. Quando o relógio bateu em cinco e meia eu pedi pinico e fui dormir.

Acordei as onze e meia e fui ver a Big Banda Samurá. Mas aí desisti porque eu fui ver uma amigo tocar nesta tal banda e a besta do amigo não foi! Exatamente. O músico não foi e eu tive que acionar o plano B.

Madeira de Lei.
Duca! A banda era assim. Dois percussas maravilhosos, aquele monte de percussão no palco, muito tambor, muito couro, berimbau, perfumaria para todo lado. Eu acho lindo esses instrumentos no palco, acho que fazem uma composição belíssima. E um dos percussionistas ficava tão feliz ali, tocava com tanta alma que eu fiquei ali, meio que babando no baixinho, magrelo que arrasava na percussão.Um violonista muito preciso, que cantava também e que assinava as músicas que eles cantavam. E um cara que tocava viola caipira, violão de nylon, baixo de quatro cordas e ainda, o filha da puta, ainda tocava sax. Tudo direitinho. Nada assim extraordinário, mas esse era realmente um multi intrumentista. E a cantora. Uma gordona com uma voz cheia de contralto, sabe? Com aqueles graves macios, aquela voz que aprecia sair dos peitos dela. Linda! Linda! Além de cantar, a danada tocava tambor, triângulo e umas percussões mais delicadas. Mas fazim um som que vale a pena ouvir. Melodias estranhas, não muito convencionais, mas tem uma força naquele conjunto tão percussivo, tão cheio de força afro-brasileira. E tudo branquelo. Tudo com aquelas caras de paulista. E um puta som!
Adorei.
Não achei nada na net sobre eles. Nem foto, nem link. Mas corram a trás porque vale à pena. Parece que eles mudaram o nome do grupo. Dever ter outro grupo com o mesmo nome e aí deu merda. Eles até disseram o novo nome, mas vocês acham que eu iria lembrar? Jamais.

Aí eu assisti Moderna Tradição.



Esse eu fui sem ter a mínima idéia do que ia encontrar. E achei um puta de um grupo de choro que me emocionou. Tudo cabelo branco. Somando a idade do palco batia mil e quinhentos anos fácil, mas que som os caras fazia, que som! Benjamim sei la do que no piano ( naquele puta piano de cauda do Convivência, um luxo), mais um cara na flauta ( como convidado) , outro na bandolim, violão de sete e pandeiro. Esses caras devem todos ser feras mesmo porque o teatro estava lotado de músico, músico que ia asssitir os mestres, entende? Alunos da Unicamp ( do curso de música , principalmnete), batendo palma de pé para aquelas figuras. Só fera mesmo. Teve um momento que o flautista ( que deve ser o ban ban ban da flauta chorona) fala que vão tocar uma canção do Jacó que ele recebeu sem ter instrumento na mão, veio assim, do astral e ele escreveu. Que coisa linda. Que canção linda. Tão linda que eu chorei ali dentro pensando na força da nossa música brasileira, chorei agradecendo a gente ter um Pinxinguinha na nossa história, caras como esses, Jacó do Bandoli, Canhoto, criaturas que deixaram um legado desse tamanho para a nossa história musical. Foram aplaudiam de pé por vários minutos e foram aplaudidos por uma moçada que nem chegou aos trinta. Me orgulhei muito de estra presente a um momento desses. Eu tenho certeza que vi hoje um dos melhores chorões do Brasil. Isaias de Almeida (bandolim), Israel de Almeida (violao de 7 cordas), Benjamim Taubkin (piano) e Guello (pandeiro). O nome do flautista convidado eu não sei dizer. Perdão. Fiz o que pude para achar aqui.


Saí de lá e fui correndo para a Estaçao Cultura, uma antiga ferroviária que foi transformada em Centro Cultural. Lá ia começar o show do Cordel do Fogo Encantado.



Eu fui lá para tirar uma má impressão que eu tive quando assisti um show deles aqui em uma casa de espetáculos metida a besta. Sai acreditando que o vocalista encorporava algum tipo de Exu- cantor, porque ele se comporta de uma forma muito, muito exótica. Ver aquele homem daquele jeito me deu um siricutico que eu nem quis ficar mais.
Só que eu sou tinhosa e resolvi que ia assistir de novo e prestar mais atenção no cabra.
Fiquei a poucos metros da boca do palco, ali na frentão. Eu que não sou besta nem nada, fui com minha bota super-sônica-salto-plataforma que me acrescenta uns quinze centímetros, o que me deixa a um metro e noventa do chão o que é , convenhamos, muito útil quando vai se assitir alguma coisa no meio da multidão. Minha cabeçona bem acima das cebeçonas e eu pude realmente ver. De pertinho. De altinho.
E começou assim.
Um som eletrônico soa no palco apagado. Ele, o vocalista entra, andando de uma forma, eu juro por Deus, que no escuro eu via a cara do cara meio que pintada, tipo uma máscara e eu vi, eu juro que vi, dois cachinhos de cebelo dele que apreciam uns chifrinhos. Ai, meu Deus, pensei eu na hora. Tô vendo o Demo entrando para cantar.
Porra nenhuma! Não tinha máscara nenhuma, nem chifre nenhum. Eu que me deixo impressionar fácil. O cara tá conectado sim com o astral, eu vi que estava, ele tá meio que em transe, meio que fazendo teatro, mas ele tá com ligação com Divino. E eu fiquei atenta a tudo! Queria saber qual era daquele cara, para que santo ele rezava, entende?
A banda entrou. Bicho, tinha um negão na percussão que era uma coisa, um espetáculo de negão percussionista. Morderia ele fácil. Bem, mas isso não vem ao caso Três percussionistas. Mas três percussionistas vigorosos, desses que descem a mão, socam a porra toda, não tem medo de fazer barulho. Uma força, gente! Uma força naquela batida! Uma loucura. E um negão ( ai, esses negões são a alma da música) fazendo guitarra. Prestem atenção. Um vocalista, três percussionistas e um guitarristas. Ou seja, somente um cara segurando, em uma guitarrinha, toda a responsabilidade harmônica do show. E o cara fazia, bicho! Ele segurava tudo! Ele usava algumas programações, muitos pedais que alteravam o timbre da guitarra, algumas bases prontas, mas nunca dava a impressão de ficar uma coisa dura, artificial, porque a força que vinha do cantor e das percussões era tanta, mas tanta! Sabe som de homem? Isso. O Cordel faz som de macho, aquela coisa forte e ao mesmo tempo poética, aquela virilidade masculina que faz a gente, a mulherada dizer " ai ai, santa piriqueita doida". Misture isso a uma vitalidade imensa, porrada mesmo, os negos descem a mão, o vocalista completamnete tomado, teatral, declamando, olhando para os ceús e pedindo. Eu faço leitura labial muito bem, e eu lia ele dizendo fora do microfone " Meu Deus do Céu, abençoe Campinas. Meu Deus do céu abençoe Campinas". Tinha horas que ele olhava pro povo e murmurava " Me dê carinho, porra. Me dê afeto, caralho!". Louco isso, né? Aquele cara faz magia com a força da música. Pega trudo, canaliza, agarra a vibração da galera e manda pro alto, manda de volta, joga no chão. Eu vi magia musical das mais espontâneas hoje e confesso, amei!
E a sonzeira comendo, maracatus, baiões, gongadas, os ritmos todos passando por ali, um grito de guerra, um grito de socorro, meu nordeste ali, eu via o cheiro do meu nordeste naquela música. E eu me acabei. Dancei, pulei, sacodi, botei os bichos pra fora, cantei junto, berrei junto com eles e fui massa, fui coletivo, fui uma única alma coletiva dançando e cantando ao som do Cordel. " Eu volto, um dia eu volto!" Ele berrava lá do palco e eu berrava cá de baixo. " Um dia eu hei de voltar para meu nordeste, para a minha terra, que saudade de minha terra", pensava eu enquanto cantava e mandigava com ele.
E eu voltei para casa me sentindo tão feliz por ter passado por isso tudo, por poder ter visto isto tudo, conhecido essa gente que eu não conhecia direito e digo que é nessas horas que eu me orgulho de ser cigarra no mundo de formiga. E como cigarra, eu cantei e dancei em pleno outono, quase no inverno.
Essa vida é dura mas tem uns momentos desses que, virge maria do céu, vale cada segundo!

10 comentários:

Sandra Maria disse...

Obrigada Deus, por ter me permitido, compartilhar esse momento mágico.
Nunca tinha visto isso ... O vocalista, reza no palco o tempo todo!
Há muito tempo, um show não me emocionava.
Pura magia. Pura energia.
V A L E U !!!!!!!!!!

Tatiana disse...

Eita fim de semana abençoado.
Sempre tem uma compensação!

Anônimo disse...

Tati, depois do domingo que eu tive, só tenho a lamentar por vocês e dizer... VIRADA CULTURAL É O CARALHO! Campinas ainda precisa aprender muito com a periferia. Eu fui pulando de samba e samba e cheguei em casa banhado em lágrimas de emoção. Duvido - e bato o pau na mesa se alguém contestar - duvido que alguém tenha presenciado um show mais bonito do que eu presenciei na Vila Teixeira e na Vila União. Aliás, show de cu é rola. Estamos falando de roda de samba. Da melhor qualidade. Emocionante do começo ao fim. Povo lindo. Clima de abraçar desconhecido e beijar no rosto. De estranho querer pagar tua conta. Uma cordialidade que a turma da baladinha não sabe mais que existe. E na Vila União? Meu Deus, o que é aquilo? Um buteco do tamanho de um ovo e o bicho pegando na mesa, o samba comendo, aquela negrada linda, aquela gente amiga, a rua fechada de tanta gente, e o repertório fino: Candeia, Aniceto, Xangô, Paulo da Portela... Quem é que canta esse povo? Eu quero ver quem é que canta! Manda o Lirinha pra Vila União, esse pessoal do Cordel. Não dá pra meia hora de prosa, porque a malandragem, Tati... É foooooda! E é por isso que eu me orgulho dela, por isso que levanto essa bandeira, porque é a defesa da vida verdadeira, da vida sem máscara, sem segundas intenções, sem frescura, sem dinheiro, sem porra nenhuma além do SAMBA, da AMIZADE, do COMPROMISSO COM O BRASIL. E é assim, profundamente tranquilo depois de ter feito amor com o meu país, que me recolho nesta noite. FELIZ por não ter ido a nenhum show da virada cultural, mas por ter ido aos dois melhores encontros culturais que ninguém divulgou, ninguém quis saber, mas que EXISTIU, como a história daqueles heróis anônimos que morrem por amor e ninguém fica sabendo. Eu, Tati, fui pra Vila União de táxi e voltei sem pagar um mísero centavo... Sabe lá o que é isso? E o amor incondicional? E o samba na veia? A cerveja compartilhada, as mulheres lindas da periferia, lindas, lindas como nenhuma burguesa consegue ser? Eu sei que estou um pouco embriagado, mas a emoção, creia, é maior do que o efeito da bebida. Para mim a noite foi de reencontro com o meu passado, pois há anos não voltava para os meus. VIRADA CULTURAL É O CARALHO. Prestemos mais atenção nessa cidade! Beijos.

Anônimo disse...

Cordel de Fogo Encantado é instigante até em CD... queria muito ver pessoalmente isso.

Tatiana disse...

ô Bruno,
Eu entendo o que você quer dizer.
Lindo isso, né?
Um momento desses que você viu é do cacete!
E eu ainda to forma no meu propósito: vou contigo em um samba desses, eu ainda vou contigo em um samba desses!!

Anônimo disse...

Oi Tati...eu fui...mas parece que nem deu tempo de nada! Fiquei na balada o tempo todo, cruz-credo! Haha...olha, preciso te falar do CD do meu pai, ok? A gente se fala.
beijo.
Má F.

Unknown disse...

eu devia ter ido com vcs, pq não consigo mesmo gostar do cordel.
mas com vcs, tudo vale a pena! saudade daí, da mulherada...rs...
tô doida pra chegar amanhã!!!!!!
beijo!

Tatiana disse...

eu também, Ana!
Eu também.
Ms o amanhã sempre3 chega, né?

Anônimo disse...

... é um violão! Guitarra não! V I O L Ã O !!!!!!

Tatiana disse...

Onde, anônimo, onde tá a porra do violão que não é guitarra????