quarta-feira, 21 de março de 2007

Minha oração

Recebi um texto de minha querida Gi que sempre me presenteia com palavras especiais. Desta vez ela me mandou " Uma oração" de Jorge Luis Borges, considerado um dos maiores poetas argentinos.
Me tocou. Quer dizer, me tocou mais que meu normal. Quer dizer, outra vez, eu tô super tocável, tô meio que em carne-viva, tudo me chega como aço quente, abrindo chagas e aumentando dores, não está difícil me fazer sentir alguma coisa.
Mas desta vez fiquei pensando no que o autor diz "...quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana".
Sim. É verdade isso. Uma oração é um momento de entrega divina, é a hora da reconexão com os mistério, com o Divino que habita cada célula do corpo. É um instante de verdade, de tirar os panos que cobrem as feiúras, as imperfeições, de ficar nú na frente do espelho, vendo as pelancas do espírito, as rugas da alma e, mesmo assim, percebendo a beleza da nossa humanidade.
Quero ficar nua diante de mim mesma.
Preciso me deparar com a humanidade de minha existência, essa humanidade que ri na cara de minha arrogância, da minha auto-suficiência, de minha prepotência de mulher que tanto ouve que é forte que, ingenuamente, acredita. E assim, nua e assustada, me vejo com muito mais simpatia do que quando envolta com todos os panos que me protegem. Minha fragilidade me adoça, um mascavo doce que perfura a armadura tão antiga e encarquilhada.
Como quero ser lembrada quando eu me for? Como artista? Como guerreira? Como o que?
Acho que talvez a única coisa que valha a pena se fazer lembrar é de como se tingiu as cores em minha volta. O que eu transformei? O que eu consegui melhorar?
Não tenho força suficiente para dar para ninguém, nem coragem, nem bondade, nem ternura. Nada disso me sobra ao ponto de ser doado. Se é que alguém recebe mesmo aquilo que é do outro. Pode, no máximo, ver um exemplo, mas não absorve para si, em osmose, aquilo que lhe falta. O que eu posso dar?
Não sei.
Na minha oração, eu peço sem constrangimento.
Peço mais delicadeza, tanto do mundo para mim, quanto de mim para o mundo.
Peço esperança porque eu sem esperança não pensaria duas vezes em meter uma bala na cabeça. Não. Bala na cabeça não tem poesia. Não hesitaria em acabar com uma existência onde eu não acreditaria no porque de estar aqui e agora.
Peço amor. Muito amor. Amor de mãe, puro e casto. Amor de amigo, cheio de risada e conversar sérias em mesas de bar. Amor de irmão, que nada destrói os laços. Amor de alma, que tudo entende e nunca renega. Amor de homens, que aquecem o peito e confirmam a temporalidade de tudo.
Peço coragem. Eu sem coragem não me reconheço.
Peço sabedoria. Para entender.
Resignação, para aceitar.
Força, peço força para começar, e começar, e começar tantas vezes seja necessário.
Peço fé porque acredito no poder da fé. Acredito que tudo é nascido, gerado e transformado dentro de um grande caldeirão de energia e a fé nada mais é do que pegar um pedacinho dessa energia e mandar para onde se precisa. Fé é o timão do meu barco.
Peço lirismo. Que eu nunca perca a capacidade de ver beleza e encantamento.
Peço paz. No meu espírito. No teu espírito. Na mão que poderia cortar, mutilar, estraçalhar, que nessa mão que seja grudada a paz, uma chaga que arde a cada dia que começa.
Peço justiça. Que eu saiba ser justa.
Peço perdão. Que meu peito perdoe e que eu consiga o perdão, mesmo que só por covardia de não querer sentir nos ombros o peso dos meus atos. Mesmo que isso seja possível.
Peço um coração valente e honesto.
Um nariz forte e resistente.
Um joelho escuro e humilde.
Uma mão forte e calejada.
Peço um colo quente.
Peço a ignorância daquilo que não me diz respeito.
Peço sem vergonha, olhando meu corpo nú na frente do espelho. Exposta de corpo e alma.
Peço envergonhada por ter tanto e mesmo assim ainda ter vontade de pedir mais.
E com meus olhos grudados nos meus olhos do espelho, recoloco meus mantos todos, cubro minhas pudentas vergonhas e volto ao meu quarto de dormir, diante da luz azul de um monitor e durmo cansada e sensível.
Mas com a certeza de ter um pedido correndo pelos céus.
Um sorriso adormece em meus lábios e sonhamos juntos um novo futuro.

7 comentários:

Anônimo disse...

Às vezes parece que você sou eu...

Tatiana disse...

Cláudia
Não estamos sós, né?

Adriana disse...

Tati, eu jaadotei o Valente Guerreira como titulo nobre para voce...cada post que escreve, desvela um pouco mais....a sensibilidade...a emoçao....o amor...a saudades...as lagrimas e encontras fortaleza em pequenas coisas...pequenos gestos....e continua lutando e caminhando frente ao futuro....


Um abraço bem apertado, cheio de carinho....e mesmo longe, mesmo sem te conhecer ...te envio desde aqui....uma oraçao silenciosa...um desejo enorme de paz e serenidade para voce...do outro lado do oceano

Anônimo disse...

Graças a Deus não... e a gente vai conseguir... :)

Lígia Moreli disse...

Tati

Eu estou sentindo falta de espiritualidade em minha vida, por isso me identifiquei pacas com seu texto. Só discordo de uma coisa: mesmo quando você acha que não tem nada para doar, você está doando sem perceber. O simples fato de se abrir, se escancarar, falar de todas as rugas e pelancas de seu espírito e de sua alma, já faz com que os que estão a sua volta se sintam mais humanos, um pouco mais normais porque também eles, todos nós, temos nossas pelancas e rugas e nos encontramos na fala dos outros. A nossa simples presença no mundo, quando vivida intensa e honestamente, principalmente com nós mesmos, já nos torna importantes, já nos dá alguma função para com o outro. E vc é um ótimo exemplo disso.

Anônimo disse...

Que bonito! Faço minha esta sua oração...super propícia.
beijos.
Má F.

Anônimo disse...

Tatiana,
Lendo o que você escreveu sobre ser artista lembrei-me da música de Gero Camilo, cantada pela Ceumar: São Genésio ( que canto sempre como oração - detalhe: só sei rezar esta música. Já me faz um bem enorme!)

Santinho pequenininho
De coração assim assim pequenininho
Protege tua legião
Abençoa nosso ofício
Que o drama, que o riso
De forma assim assim pequenininha
Conceda a todos coração
Abençoa nosso ofício
Que o drama, que o riso
De forma assim assim pequenininha
Conceda nosso ganha pão
São Genésio protege tua legião
São Genésio concede a todos coração
São Genésio concede nosso ganha pão


Esse link gigantesco tem a história de São Genésio
http://209.85.165.104/search?q=cache:L0Bg-nPjeswJ:www.paideamor.com.br/santos/sao_genesio.htm+%22S%C3%A3o+Gen%C3%A9sio%22&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br

Abraço,
Ciça