segunda-feira, 9 de janeiro de 2006


É realmente estranho uma mulher que gosta de sair sozinha? Sentar em um café discreto, fazer seu pedido e ficar tranqüila lendo um jornalzinho, uma revista antiga?
É tão chocante a vontade de sentar solitária em um bom balcão de bar e ficar ouvindo a música alheia?
Realmente não é tão medonho assim, mas porque me causa tantos problemas esses desejos?
Não to querendo sair por aí distribuindo meu charme e sedução. Eu preciso ficar só. Só. Sem amigos, sem amigas, sem papo com desconhecidos. Sozinha com meus pensamentos. Se bem que é verdade que fica difícil eu sair aqui em Campinas em algum bar e não encontrar algum conhecido que, chocado com a falta de companhia, não resolva sentar do meu lado e puxar papo porque mulher sozinha ou causa cobiça ou piedade. Não quero nem um nem outro. Quero a mim. Todinha pra mim.
Depois quando eu me encher de mim mesma, eu volto pra casa, pros meus.
Cacete, viu! Isso que dá começar na vida boêmia tão cedo, tocar durante anos sozinha em bares estranhos, fiquei assim, uma boêmia solitária. E eu gosto.
E não é nas questões boemícas que a coisa pega. Eu adoro meus filhos, adoro estar com o namorado. Mas tem momentos que eu preferia estar só. Não consigo fazer música com gente me olhando sobre os ombros, com filho batendo a porta, me berrando mãaaaaeeeee duzentas vezes no dia. Por incrível que pareça eu gosto de ficar em casa, um cd especial tocando e eu sentadinha no meu sofá fazendo croché. Uma cena difícil de imaginar, eu sei, mas eu faço isso. Terapêutico como xingar o patrão.
Ou repetir a mesma música dez vezes. E mais dez. E mais uma vez ainda. Com gente por perto fica meio chato isso.
Outra coisa que só se faz sozinha: depilar a virilha com pinça. Demora horrores, é pouco prático, mas faz um bem pra gente que nem te conto. Como faço isso com namorado olhando? Só se eu me trancar no banheiro e ficar com a bunda no chão gelado por horas! Um perigo. Posso pegar uma pneumonia cuzística e nem quero imaginar os efeitos deste mal. Vexatório.
É simplesmente necessário dançar no quintal, à noite, no escuro, de calcinha e sutiã, circulando a sombra da lua na bacia de água. E depois ficar um bom tempo olhando a fogueira minúscula dentro da velha panela de ferro enquanto se toma um chazinho de erva-doce enrolada no meu xale rosa-choque. Mas vai explicar essas excentricidades.
Se fico muito tempo com os arreios presos, meu olho fica espreitando a fresta da porta, me dá uma vontade de sair de fininho e só voltar no final da madrugada.
Por isso que eu admiro tantos os gatos. São tão independentes. E eu acho que sou como um gato mesmo. Preciso da cantoria, sair virando latas , pulando de telhado em telhado, ficar lambendo meu pêlo sentada no ponto mais alto do muro do vizinho. Depois eu volto ronronante e cheia de saudade , esfregando o corpitcho pelas quinas da casa, pedindo cafuné e ração da Max sabor frutos do mar.
Minha felinidade é que me fode. É uma merda ser gata em mundo de cachorra.
Ninguém me entende.
Bosta.

11 comentários:

Anônimo disse...

Vida aos gatos... Que não lhes faltem telhados.
E o "melequento", quem diria, deu cria.
Ronaldo

Márcia Nestardo disse...

Nem precisa levantar os olhinhos do croche, que eu já estou saindo...
passei pra dizer que li teu retiro e gostei.
Beijos

Anônimo disse...

Acho que todo mundo tem seu dia de gato, mas nunca vi ninguem explicar tão bem o que é. Você é genial, poderia pensar em escrever um livro de cronicas é tão delicioso ler seus escritos.
beijo
Ninita

Anônimo disse...

Tati, eu te entendo. É a necessária solidão. Como os gatos mesmo...aqui tem o telhado do rancho, e às vezes eu me deito lá pra olhar a lua.
É bom isso né?
Mas as pessoas acham que somos loucas...rs.
Beijos

Anônimo disse...

Tati, faça o seguinte, começa a ler Albert Camus! Lute para se import, revolte-se para lutar pelo que é. E sei que você não deseja os bens que não tem.
É foda viver no mundo de esteriótipos, clichês. E a culpa disso é da mídia, saca?
E de fato, te acho uma gata.

Geraldo Magela

Anônimo disse...

Fiquei bom (como previa), voltei a madrugar e "arresolvi" pegar na viola de teclas e mesclas poéticas. Como você disse que podia, um dia, um texto banal meu musicar, resolvi um texto seu ("bem mais melhor") plagiar.
Ronaldo

Anônimo disse...

Tati, tenho a solução para que você possa ir ao bar sozinha e ninguém te dirigir palavra: fique feia.

Gustavo disse...

Eu acho que sou assim tambem.
Pardo.

Anônimo disse...

Você me emociona.
Sempre!

Vamos retomar os ensaios?

marcio castro disse...

ouço Arthur Yoria - Something Must Be Wrong

coloquei aí acima a música porque é a forma que gosto de postar em meu blog.

quanto a sair sozinho, somos dois. faço sempre que posso, mas minha amiga disse da dificuldade de uma mulher sair sozinha: sempre tem um mané enchendo o saco. nesta parte da sociedade masculina, é a única coisa que vale a pena pra mim. sair e não ser importunado. a não ser qdo vou a um bar gay. e isso já aconteceu. que chatisse.

tatiana, valeu este texto mesmo. me reafirma a importância de manter meu blog, pois não sei se sabe, eu o criei para colocar lá minhas impressões boêmias pelo filtro de meu olhar e meus sentidos. um grande beijo, quem sabe um dia a gente não marca pra tomar uma original. só não pode ser no dia que estamos com vontade de sair sozinhos há.

marcio castro disse...

ah

somos sempre cigarras em mundo de formigas, gatos em mundo de cachorros, (e no seu caso biologicamente falando, mais concretamente que eu) femininos pensamentos em um mundo de pensamentos masculinos.