quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Berra Vaca


Eu estava conversando com dois amigos sobre o carnaval de Barão Geraldo.
Eu participei de três encontros musicais: Berra, a União Altaneira e o Cupinzeiro.
Três propostas distintas, isso é um fato.
O Núcleo de Samba Cupinzeiro é de onde origina o Cupinzeiro que sai no carnaval. Tem seu samba do ano e faz todo o trajeto cantando somente ele, como um samba-enredo de escola de samba. Os ritmistas estão ali, tem cantores, instrumentos harmônicos e existe um caminhão de som. Eles se encontram e ensaiam.
A União Altaneira, originária da Bateria Alcalina, da Unicamp, também usa um carro de som, tem seu próprio samba, ensaiam o ano todo, tem cantor microfonado, violão e, obviamente, a percussão toda. A diferença é que eles incluem outros ritmos, cantam várias canções, algumas muito conhecidas e todo mundo sai cantando.
Eu fui nos dois e adorei. Me diverti, sambei que até minha canela afinou ainda mais. Gosto do que eles fazem e respeito demais essa paixão.
O Berra Vaca não funciona assim.
Talvez ele forneça o espaço mais livre e anárquico de todo o carnaval de Barão. Qualquer um pode se juntar a troupe, qualquer pode tocar algum instrumento. E é claro que tem bola fora o tempo todo. Claro que tem! O camarada chegou ali, viu aquela esculhambação deliciosa, ele quer participar. E participa! Toca aquela merda de tamborim alto pra caralho no ouvido do pobre coitado que está segurando a caixa, batendo tudo fora. Não sei como o cara da caixa não dá umas baquetadas, só de raiva. Ou desespero.
Realmente tem horas que chega a dar uma certa dor nos ossos, tamanha é a confusão ritmica. O som é aquela coisa vagabunda que todo mundo conhece. Se a percussão se empolga e soca o braço, cobre o som mixuruca das caixas. Ignácio, presidente do bloco, puxa as marchinhas e toca seu violão, pena pra caramba pra conseguir ouvir o próprio instrumento porque tem horas que é realmente o samba do crioulo doido. Ou a marchinha da Nega Maluca, como achar melhor. Ninguém está se ouvindo direito, né? É difícil fazer música sem se ouvir!
Mas sempre tem um que chega e põe ordem na bagunça. Muito músico aparece e toca junto. Vai revesando, cada hora um, um canta aqui, outro canta lá. No fim, todo mundo se divertiu pra caramba, tá feliz, fedido e exausto. Curtiu até o sol nascer, se for dado a excessos, como eu.
Mas é exatamente aí que está a beleza do Berra Vaca. Essa coisa generosa porque todo mundo quer mesmo é ser banda. Quem toca um pouquinho ou tem essa paixão louca pela música, quer fazer parte dela, quer tocar junto, que sentir aquela emoção de estar fazendo a música. E o Berra é o único que permite isso: deixa que quem quiser se junte ao povo e venha junto, soltando as frangas, os demônios todos , cantando mal, cantando bem, tocando mal ou esquecendo que é um descoordenado crônico incurável. Lá no Berra Vaca esse sujeito pode tocar e fazer parte da festa.
Isso não é lindo? É lindo demais. É generoso. É popular. É tão brasileiro isso. Japonês no surdo, italiano na caixa, negão no tamborim, branco, preto, índio. Tudo mundo junto no caldeirão do carnaval, cantando e tocando aquelas marchinhas que se perpetuam a cada ano que passa, que emociona todo mundo. É muito lindo isso.
Claro que um esquema melhor na aparelhagem de som será muito mais legal, mais confortável para os cantores e cantoras do Berra, para quem está acompanhando atrás do bloco, mas não cabe muita coisa a mais.
É o Berra Vaca é isso mesmo, um momento de anarquia carnavalesca musical, um sopro de frecor nesse mundo chato e careta que estamos vivendo.
Isso mesmo.
Dá-lhe, Berra!!

5 comentários:

Luciana Ruiz disse...

Isso mesmo, Tatiana Branca de Neve Coisa Rara!! O som pode e deve melhorar, mas faz parte da baderna do "broco"!
E sua alegria vem a somar mais anarquia nessa baderna nossa de cada momo. Quando você não vai, faz falta viu! Seus olhinhos pequeninos de um imenso sorrisão!! Agradeço grandemente em nome das pastoras!!
Beijos,

Lu

cleber disse...

Merci Tatiana
escreveu todo o nosso sentimento berravaquense....

Anônimo disse...

Pela primeira vez leio alguém com sensibilidade para reconhecer o quê o Berra é de fato, e o porquê dele ser uma merda, mas ser maravilhoso! Sem qualquer modéstia, o Berra encarna o verdadeiro espírito da folia, da loucura, do desvario, da catarse que é o Carnaval! O resto... graças a deus é uma merda mesmo!

Unknown disse...

eu adoro aqui ali.

Unknown disse...

Tatiana, a gente só se encontra em folia, mas (e talvez por isso mesmo) a afinidade tá aí, latente. Falou e disse sobre o Berra. Um comentariozinho: o Berra leva as marchinhas dos 40, 50, 60, mas também leva Doces Bárbaros ("com amor no coração preparamos a invasão. cheios de felicidade entramos na cidade amada" - e eu amo esta cidade), Tim Maia, Roberto Carlos, Lulu Santos, ..., até Calypso (afe!). E tem umas 'marcações', que compõem o troço todo: a travessia do beco é o fino da bossa (a galera pirando cantando Negro Gato) - te mando um charge hoje e você me diz se não é a própria travessia do beco. Logo depois tem aquele momento que uma galera do samba assume o comando, aí vira outra coisa ainda, mas que é muito parte do que tá vindo. Bão, se eu for falar do Berra, fico aqui a tarde toda. Melhor fazer isso num bar tomando uma cerveja junto, certo? beijos! Alê