terça-feira, 19 de maio de 2009

tempo, tempo, tempo

Quando a gente passa dos quarenta o tempo se apresenta de outra forma. Nesta altura da vida ele deixa marcas no corpo, na cara, apaga belezas e charmes e deixa na boca um gosto de realidade imutável. Quando somos jovens, o tempo é uma coisa meio abstrata, um calendário grosso que ainda temos que virar a página. O tempo é chamado de futuro e nós estamos embriagados pelos perfumes do presente. O passado nem deu tempo de virar lembrança encruada, nem deu tempo de virar saudade.
Mas o futuro chega e nem sempre chega sorrindo. Muitas vezes o tempo é cruel.
Reencontrar antigos amores ou antigas amizades é muitas vezes chocante.
Aquele homem lindo que você foi loucamente apaixona está um jaburu marterlo de bigode. Aquela amiga que arrasou quarterirões virou a sua tia avó!
Eles mudaram muito.
Poucos dos meu ex maridos estão em ordem. Alguns - deusquemelivre - são pessoas irreconhecíveis. Meu primeiro marido tá uma coisa tão terrível que eu tenho vergonha de mostrar pras amigas. Não só envelheceu como perdeu o antigo charme, não tem um fio de cabelo naquela cabeça grande e uma barriga surgiu criada a muita cerveja e fritura. Era um homem bonito e hoje me lembra um buda gordo de barba. Nem consigo me imaginar ao lado dele hoje. O que teria sido de mim?
Reencontrei uma conhecida no mercado. Quando nos conhecemos nem eu nem ela tínhamos filhos, éramos jovens e atrevidas. Ela era bem barraqueira, uma morenona gostosona de bundão. Entre a estante de sabão em pó e alvejante nos trombamos. Olhei para ela como quem lembra vagamente daquele rosto - eu sei que conheço - vasculho lá dentro, vou fundo. Ela me abre um sorriso e diz meu nome. Eu tremo porque nunca lembro nomes. Ela me refresca a memória e eu relaxo. Sim, ela mudou. Perdeu o viço, a elegância, a gostosura. É uma senhora gorda, meio desmazelada, raiz do cabelo cinza aparecendo por debaixo de um vermelho velho.
Não gostei do que vi e não sabia o que dizer - minha eterna dificuldade de mentir - mas seguimos contando as novidades, os casamentos, os filhos nascidos e criados, a carreira. Até que ela começou a se explicar. Eu quis me afogar na água sanitária. Por favor, peloamordedeus, não se justifique, pensava eu, em agonia.
Tudo em vão. Me explicou que engordou depois do último filho e nunca mais conseguiu voltar a antiga ( e poderosa) forma, mal tinha tempo pra ir a uma academia, trabalhava em casa ajudando o marido. E eu lembrando dela absolutamente segura de si, linda, botando o dedo na cara de muita mulher por ciúme do namorado. Agora estava na minha frente uma mulher comum. Absolutamente comum. Uma mulher de quarenta anos que caminhava para uma transmutação em molusco, não só física, mas também de espírito. Eu podia ve-la dando bom dia a Ana Maria Braga ou sentada, uma latinha de cerveja na mão, criticando o Faustão.
Nos despedimos meio sem graça, sem muito assunto, como se o fato de eu estar dentro do peso, descasada, trabalhando ainda naquilo que sempre quis trabalhar me transformasse em uma outra turma, no outro. Não tínhamos mais semelhanças.
Pensei, pensei sobre isso.
A velhice é inevitável. As rugas, as dores pelo corpo, os cabelos brancos, tudo isso chega, mas a elegância pode ser mantida, a beleza pode ser mantida, o brilho do olho pode ser mantido. O espírito pode ser mantido!
Sei que a genética é um soco no estômago, com a natureza não se brinca, mas hoje existem recursos. E principalmente, acima de tudo, de todos os cosméticos, de todas as horas suando como uma porca, de todas as cirurgias plásticas, existe uma coisa inominável que ilumina e que parece que segura as carnes, que estica a cara ou, ainda, que cria uma ilusão. Não sei. Só sei que existe e eu vejo por aí em algumas pessoas que parecem que não envelhecem normalmente. Alguns artistas tem isso, alguns loucos, alguns santos. Eu acho que isso acontece quando estamos felizes nessa vida, fazendo o que viemos fazer. E, ainda mais, quando saimos das normas comuns, da dita normalidade. Fazer aquilo que o coração manda, mesmo que seja estranhíssimo para os outros, mesmo que seja na contramão do tempo, da sociedade. Ser normal é contra-indicado para o viço, penso eu.
Não sei explicar.
Mas que me choca como o tempo pode ser crue... ah, me choca.
Só me resta besuntar meu corpo com todos os hidratantes corporais, alisar a face com as modernidades anti-sinais, respirar muito, meditar, mexer meu corpo dentro dos limites que ele suporta, beber litros de sucos da centrífuga, rezar pela genética boa e ficar atenta ao meu coração.
Não quero ficar deselegante. Pior que a velhice é a deselegancia.
Esses são bons exemplos de como se envelhece com dignidade.


Audrey Hepburn

Maria Bethania

8 comentários:

Sandra Maria disse...

É... descobri que, se permitir, faz muito bem para a pele.
Como faz!

Rachel disse...

achei esse texto ma-ra-vi-lho-so!
a sensibilidade com que voce aborda esse tema...sensacional!
o importante é cuidar do interior. o que reflete do lado de fora é consequência! =)

Marina F. disse...

Concordo contigo, querida. A felicidade de fazermos aquilo que gostamos, isso é foda mesmo.
beijos.

Tatiana disse...

Morena
" Se permitir" agora é sinônimo de boa sacanagem?
hahahhahahahahahahha
Se permita, santa?
Se permita na pia, no quarto, na sala.
Se permita toda!

Tatiana disse...

Chel,
Cuida do interior mas dá uma forcinha ao exterior porque a gravidade é comadre do tempo e é implacável.

Tatiana disse...

Felicidade, Marina.
É isso.

N. Calimeris disse...

Linda, eu sou assim como você. Eu me permito, faço as coisas do meu jeito mesmo quando dizem que estou errada! Bato o pé e vou andando na estrada que é a minha vida. Sabe, não preciso ir longe, não... tenho uma conhecida que era aventureira e eu olhava para ela, pensando: meu deus! quero ser como ela!!! A dita casou, teve filho e perdeu a aventura. Eu fui na minha vida, superei meus balacobacos e vim fazer as coisas que q uero, sem ninguém para mandar em mim! Até tentam... até tentam!

claudia lyra disse...

Adorei isso! Quando me questionarem, vou dizer que "estou me permitindo", pra mó de continuar jovem e fresca (muito mais fresca do que jovem, essa é a verdade).