meu primeiro enduro noturno

Hoje a noite não cantarei, oficialmente, pelo menos.
Hoje a noite estarei no meio de uma mata fechada, sem luz alguma, somente com um fiapinho de lua que não ilumina nada, uma bússula pendurada no pescoço, uma planilha de papel, um palm com o programa instalado que na última vez deu um pau da porra e não serviu de nada, roupa de frio, bota de caminhada com meias mais grossas do que o normal e uma lanterna na mão.
Isso tudo porque hoje o enduro é noturno e eu ainda me pergunto por que diabos eu gosto dessas coisas. Sempre fico presa em algum arame farpado ( já rasguei duas calças), meto meu pé em lamas que demoram muito para sair, ando como uma camela por três horas, subindo e descendo morro, suo e só não fedo porque mantenho o desodorante em dia. Meu cabelo vira um ninho de mafagafozinhos e não existe forma de manter o charme com esse tipo de vestuário. Por que faço isso?
Acho que é uma forma de manter afastado de mim o tédio. Aquele tédio que anda me rondando faz um tempo.
Gostaria de dar de cara com um lobisomem, daqueles verdadeiros, só pra poder contar mais uma história cheia de convicção. Ou poderia encontrar alguém muito interessante por lá mas é meio complicado porque todo mundo que está no meio do enduro está vestido de uma forma exótica ( coisa que até me agrada), fica andando de forma lenta, contando os passos ( isso é muito, muito broxante) e está obsecado por vencer. Ou, pelo menos, em não se perder no meio do mato.
Não tenho medo de cobra. Espero que as cobras tenham medo de gente. Torço mesmo por isso porque não gostaria de perder minha fama de mulher-macho sim senhor por causa de uma cobrinha boba que cruzou o meu caminho. Sem falar que é um enduro de regularidade e eu sair correndo feito uma louca, com os braços pra cima, berrando " cobra, caralho, corram que tem uma cobra" não ajuda em nada no enduro. Adiantar faz perder mais pontos do que atrasar. Não posso sair correndo por aí.
Ah, e ainda tem a Marina que é absolutamente virgem em matéria de enduro. Me sinto responsável por ela. Não que eu seja experiente, não sou mesmo, mas eu acho que devo cuidar dela. Quer dizer, devo cuidar se ela mantiver o passo do grupo porque se ela ficar para trás algo em mim que tem aquela gana medonha de vencer vai sussurrar no meu ouvido pra que abandone a novata porque ela, com certeza, há de achar o caminho de volta ou encontrar algum monitor bondoso que a rebocará, muito humilhantemente, de volta pra sede.
Não sei. Tenho que pensar nisso com mais cuidado.
Outra questão nova. Por ser um enduro noturno vai ter uma balada depois. Eu imagino o que é considerado "balada" para uns malucos que andam no mato de noite. Algo me diz que haverá um DJ e uma música tipo bate-estaca e um monte de gente com roupa esquisita balançando o corpo de um lado para o outro com algum energético na mão e barrinha de cereias na outra. Eu acho que a balada será uma coisa a parte e eu acho que eu tenho realmente que levar uma muda de roupa pra estar minimamente apresentável em um balada pós enduro com Dj e bate-estaca. Agora me diga: que roupa é apropriada para isso? Não sei. Não faço a mínima idéia.
Seria pedir demais se houvesse uma boa banda de mpb dançante. Um samba daqueles de bom. Samba-rock, então! Seria muito ótimo mas também muito improvável. Balada atualmente tem que ter bate-estaca.
Bem...eu também posso me divertir jogando bolas de barro na cabeça do DJ que insiste que " toca". Seria uma satisfação e uma pequena vingança da classe musical. Posso ser presa, é verdade, mas eu me transformaria na mártir de todos os músicos do mundo que se revoltam quando ouvem algum DJ dizer que "vai estar tocando" em algum lugar e eu posso, mesmo dentro de uma cela sem tomada alguma, fazer música. Eu posso cantar na cela e isso é uma coisa que mostra a diferença entre um músico e um dj. Autonomia. Não precisamos de uma tomada para fazer um som. Autonomia é a palavra chave.
Sim, eu sei que estou divagando feito louca mas acho que é a ansiedade. Vai passar.
É.
A noite promete.