quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Fui à casa de uma senhorinha de 82 anos ( mas corpinho de 78!) preencher a declaração de saúde dela para poder dar entrada aos processos do plano e saúde.
Um apartamentão lá no Cambuí, a empregada uniformizada me leva à sala, a senhorinha vem, não vê um palmo à frente do nariz, senta em cima de minha bolsa mas resolve no meio da coisa toda me deixar sozinha e vai fazer sei lá o que na cozinha.
Tô eu lá, elegantíssima, salto alto, suando em bicas, mexendo nos papéis, quando vejo uma rotevailer ( não sei como se escreve) imensa, quase um pônei de tão grande, galopando em minha direção. Minha reação até que foi boa, falei:
- Ahhh, que bonitinha.
E a tal já estava com as duas patas em meus ombros, eu sentada no sofá, fucinho com fucinho, cara a cara, ela e eu, não aguentei o peso da bicha, caí para trás, no movimento as pernas levantaram e nesta hora volta a Senhorinha.
- Já vi que conheceu a Larissa. Ela não morde não. Desce, Larissa. Deixa a moça trabalhar.
Larissa, a dengosa cachorrona, desceu de mim e ficou sentadinha olhando eu preencher a papelada.
Quando eu apoiei minha linda caneta cheia de frescura, recém presenteada, sobre a mesa, ela, Larissa, a cachorra dos Infernos, põe a cabeçorra sobre a mesa e, muito delicadamente, rouba a caneta, leva pra meio da sala, senta com toda classe que uma cachorra do Cambuí pode ter e começa, lentamente, a roer a minha caneta cara pra dedéu.
- Larissa, minha filha, devolve a caneta da moça.
Larissa, muito sonsa, ignora a dona e continua a saborear minha canetinha.
A Senhorinha sai, esbarrando em todos os móveis e vai chamar a empregada porque a sua labirintite não permite que se abaixe e pegue a caneta.
A empregada chega, faz um mínimo gesto para pegar a saborosa caneta da boca da cachorra e a Larissa, Cachorra dos Infernos, levanta um pedaço do lábio, mostrando vigorosos dentes.
-Ah, Dona Sheila, eu não meto a mão pra pegar essa caneta nem morta.
E volta pra cozinha, lavando as mãos, uma Pilatos de saias.

Olho para aquela cachorra de apartamento maluca cheia de raiva e jurei que pegava minha canetinha de volta, mesmo babada daquele jeito, porque foi um presente , era a primeira vez que eu usava e não era direito uma cachorra mandar na casa daquele jeito. Se quisesse comer caneta, que comesse a da dona, não a minha. E a caneta da dona devia valer uma fortuna, porque se a minha caneta era fresca, a dela ela muito mais, toda dourada, quem sabe de ouro mesmo,parecia pesada, coisa chic.
A senhorinha sai mais uma vez pra fazer não sei o que. Olho pro lado. Ninguém. Pro outro. Ninguém.Olho pra frente, ela no tapete segurando a canetinha com as patas.
Não pensei duas vezes:
- Larissa, Larissinha, olha o que eu tenho na mão ( vozinha melodiosa e a mão sacudia a caneta da dona, dourada, linda, uma fortuna).
Os olhinhos da cachorra brilharam.
Joguei a caneta bem longe pelo corredor. A cachorra sai correndo feito louca atrás da caneta, eu dou um pulo e vôo para o tapete, tropeço na mesinha de centro, caio no chão e desarrumo o tapete, deslizando pela sala, aquele barulhão no chão de madeira, torço para que a senhoria seja surda também, acho a caneta, volto de gatinhas para o sofá, meto a caneta babada lá no fundo da bolsa, sento em cima da bolsa e fico, cínica, esperando a volta da Senhorinha.
-Uai, cade a Larissa?
-Não sei ao certo. Acho que foi para aquele corredor. De repente começou a correr e agora tá lá.
-Ahhh, ela é um amor, não acha?
- Ahhh, acho sim. Um doce. Faz companhia, não é verdade?
- E como! Não sei o que seria de mim sem ela.
Croc Croc Croc. Um som de coisa sendo roída lá dos quartos.
- Então tá. Já tenho tudo pronto aqui. Agora o hospital entra em contato com a senhora, tá bom???
Croc Croc Croc
- Tá certo, meu bem. Você é um amor. Que barulho é este?
- Não tô ouvindo nada não. Tô indo. Até mais.
Croc Croc Croc.
Fecho a porta do elevador e pego a minha canetinha amada toda molhada e suspiro, feliz da minha vida.
Ouço uma voz lá de longe:
-LARISSA!!! Devolve pra mamãe!!!! LARISSA! Cachorrinha má! Muito má!!!

-

8 comentários:

Tatiana disse...

eu apaguei sem querer!!!
ainda me perco nestas coisas aqui.
Ta aqui d enovo!

Rômulo Souza disse...

Muito bom o texto. Adorei a parte do pilatos de saia. rsrs

Um abraço,

Rômulo

Anônimo disse...

Ai Tati.. como é bom voltar aqui e beber um pouco deste seu bom humor infindável.. hahaha
Excelente cena de pastelão a sua!
Beijos

Anônimo disse...

Seguem dois CDs pelo Bruno, um em MP3 e outro normal. É o que eu tenho do Torquato Neto parceiro de músicas. Para você conhecer mais este que é um dos pais e criadores da Tropicália. Um grande jornalista e conhecedor de música. Pena que enlouqueceu à sua genialidade...
Um bom sábado e domingo.
Descanse
Ronaldo

Anônimo disse...

Fiquei em dúvida sobre quem é mais má, se a Larissa ou você.

Anônimo disse...

hahahahaha...
fala a verdade, vc deu uma floreada, não? rs...
muito boa a história!

Tatiana disse...

Moacir,
Mas é claro, meu bem...
Do que vale a arte se não for pra dar uma pitada nova na vida????
ha ha ha ha ha ha

Vanessa Anacleto disse...

Tatiana , sem seu blog, meu fígado não sobrevive :-). Agora vê se sai pra trabalhar com Bic, deixa a caneta cara para quando foi assinar contratos milionários da sua turnê pelo mundo.

beijão