quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Crítica ao incriticável

Enviei um cd meu para Ronaldo Faria, jornalista, escritos, blogueiro, pai, boêmio, amante das letras e das músicas e disse que gostaria de ouvir a sua impressão. Ganhei seu livro e ainda não chegou em minhas mãos. Ele foi mais rápido e me escreve isto.
Não aguento.

Crítica ao incriticável
09/02/2206

Eu sempre desconfiei que Deus não existe. Na verdade, depois que escrevi um roteiro de vídeo para a Secretaria de Educação do Estado reciclar seus professores sobre religião e tive acesso a um excelente material da história e gênese das religiões, tive a certeza. Coisa de grupos sociais se articulando uns para dominar os outros na força e na ideologia. E como somos todos uns cagões em relação à finitude, nada melhor que um ser superior para nos redimir, principalmente se antes da morte vivemos uma vida sem conquistas comuns aos meros mortais, como o direito aos mínimos "mimos sociais", como casa para morar, educação, saúde, lazer, salário, bens de consumo e outras tantas benesses. O ser superior regula a revolta, mantém o "poder" no poder e deixa a ralé, reles e vilipendiada, sem uma revolta generalizada. Pão, diversão e religião aos miseráveis.
E porque um intróito religioso para falar de um CD? Simples. Tatiana Rocha é a prova exata, materializada, que Deus não existe. Como pode uma artista do seu calibre ficar vendendo planos de saúde sob o sol, correndo de baratas no banheiro e entregue aos bares de clubes "familiares". Não que a saúde não valha nada (sem ela somos ninguém), as baratas não tenham seu lugar na Terra (qual?) e os clubes "familiares" tentem ser um espaço de cultura (graças a "Deus" há várias culturas além desta). Mas Tatiana Rocha devia estar noutro estágio.
Está certo que entre uma estrada e outra há um rio caudaloso e frio, entre uma barata e outra sobra um xampu salvador e um livro sempre rola no intervalo de shows ruins. Mas e o tempo perdido neste caminho, quem devolverá? Ouvindo o segundo CD, "Tatiana Rocha", vejo que houve uma evolução harmônica, melodiosa e musical em relação a "Um Pouco Acima do Chão", seu primeiro CD. Não que o primeiro seja ruim, ao contrário. Mas neste de agora há uma mulher inteira arrancando a sua voz e as suas emoções. Talvez por isso o CD leve o nome da artista. É ela quem está lá. No nível do chão e ao mesmo tempo bem mais acima deste.



Conheci Tatiana Rocha em um show no extinto Café La Recoleta, numa noite de 1998, quando eu ainda era editor-chefe da Tribuna de Campinas. Estávamos eu, o japonês e o eterno fotógrafo Waldemar Padovani, que nos deixou um dia para fotografar o céu. E olha que ele deve estar dando trabalho para São Pedro, pedindo para ele subir na mesa, fazer uma pose, deixando de parecer robô para sair na foto. Isso sem levar em conta que vai pedir jabá a todo anjo que abusar da sua boa vontade. Mas aquela foi uma noite gostosa. E lá estávamos os três a brindar o jornal ou discutir as besteiras comuns de uma mesa de bar. Não lembro.
Mas lembro da Tatiana, inteira no palco, acompanhada de um percursionista a soltar a voz. Sou um apaixonado por música e compro tudo que posso. Se vendessem CD nos semáforos, ao invés de balinha e drops, não tinha salário que desse... E eis que após a apresentação e a cantora morena dar uns longos malhos no percursionista, ela começou a correr as mesas vendendo o seu peixe. E seu CD. Comprei de primeira. E nem por ser Tatiana Rocha, uma morena que parece japonesa com seus olhos puxadinhos, pois já comprei CD de bicho-grilo em Mauá, de cantor de restaurante em Natal, de sambista meia-boca no Rio e grupo de idosos em Paraty, além de outros tantos em outras cidades e cantões. E nenhum deles tinha a "presença" de vendedora da Tatiana. Comprei porque gostei e nunca me arrependi.
Volta e meia ainda ouço o CD autografado dela: "Pro Ronaldo, com todo carinho, um super beijo, Tatiana Rocha." Mas este novo, sem autógrafo ou nada, mas dado com carinho, vou ouvir mais. A voz desta baiana de Niterói, lugar que tem a melhor vista deste mundo (a minha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro) e nos deu Leila Diniz, está bem melhor. O repertório idem. É um CD que dá gosto de saber que saiu. Daqueles que pode deixar o laser afundando sem cansar. Neste ponto, aliás, dou sorte. Os outros acima citados (dos barbudos) têm igual destino. As 12 músicas são de se ouvir e repetir, como faço agora. Não é o caso de descartar uma ou outra, como em muitos CDs.
Adoro vozes femininas na MPB. Traço aqui algumas: Ângela Ro Ro, Marina. Cássia Eller, Paula Lima, Fernanda Porto, Zélia Duncan, Wanda Sá, Luciana Souza, Fernanda Abreu, Badi Assad, Mônica Salmaso, Ana Salvagni, Maria Bethânia, Consuelo de Paula, Ana Carolina, Elis Regina, Maysa, Nana Caymmi, Márcia Salomon, Leila Pinheiro, Verônica Sabino, Joyce, Olívia Byington, Rita Lee, Paula Toller, Fernanda Takai, Amaranto, Beth Carvalho e, claro, a citada Tatiana Rocha. Cada uma na sua praia... Acho que as vozes femininas têm um quê a mais. Quando quero ter paz, coloco uma para cantar. Como hoje...
Estou agora com "Um pouco acima do chão" (para comparar) e me redimo. É difícil ver diferença de qualidade entre os dois. Daquela menina de quase dez anos a se atracar com o percursionista e nos intervalos a cantar e vender o seu CD para esta escritora de internet que tem uma verve e uma veia irônica e humorística fantásticas pouco mudou. Talvez, como vinho, haja um plus no segundo CD. Neste caso, sou testemunha de mim mesmo, meu segundo livro (inédito ainda) é bem melhor que o primeiro. Creio. "Tatiana Rocha" é assim. Um CD com 12 músicas e uma brincadeira no final com trechos da gravação que vale a pena ter capa (para ela colocar a dedicatória) e estar nas lojas especializadas.
Mas, como disse no início, Deus não existe. Por isso há tantos artistas fantásticos, como os que eu citei acima, longe do sucesso. Uns integrados ao seu mundo, como o hippie de Mauá a tocar seu violão na praça, cercado de outros hippies perdidos lá desde que década sabe-se lá, outros ainda na busca de reconhecimento. Mas o que é o reconhecimento? É estar na mídia e tocar no Domingão do Faustão? Tem gente que não nasceu para isso. E nem o mundo terá evoluído tanto para digerir a qualidade musical dessas coisas raras. Talvez por isso este povo cante, feito cigarra, para poucos. Só os poucos que se propõem a ouvir o canto das cigarras sabem a beleza desse romper de música depois de anos sob a terra. E olha que já vi gente pedindo inseticida para matar as cigarras pelo "barulho chato" que elas fazem.
O mundo é louco. A vida é louca e curta. Por isso há momentos e emoções que são para poucos. Tatiana Rocha, assim como tantas mulheres que ouço, é para poucos. Para os que sabem discernir música de uma mistura de sons. Mas, por outro lado, isto é uma merda, porque a obriga a vender planos de saúde e perder o pouco tempo nesta Terra com coisas que não foram feitas para ela. Porém, melhor ser ouvida por poucos ouvidos como vinho ou uísque antigos. Bem melhor saber que o "nosso público" gosta da gente pela qualidade, não pela forçação de barra da gravadora e seus jabás. É melhor cantar para poucos do que matar alguns idiotas que se dispõem a "ouvir" e morrer por um tal de RDB... É bom ser "coisa rara".
Enfim, escrevi isto num repente, porque prometi, para fazer uma "crítica" do disco. Mas como criticar o que é bom e incriticável? Tenho poucos leitores, mas comprem este CD, se acharem. Mesmo sem autógrafo. Vale a pena. É música, é poesia, é um tesouro para poucos.
Obrigado, Tatiana. Pena não ter visto você ao vivo, porque aí exigiria a dedicatória numa folha qualquer, só pra depois encartar na capa que produzi para o teu CD. Numa noite quente, entre umas cervejas e uma pura, consegui curtir um pouco a minha curta estadia por aqui...
Ps.: De igual Tatiana e eu temos um Lucas da mesma idade. E outro moleque para fazer companhia aos nossos Lucas. De diferente, a sensibilidade da voz, dada a poucos para fazer do nosso dia-a-dia urbano e proletário uma realidade um pouco melhor, mesmo sem "Deus".
Do fã...

Ps2: Vendo a data agora, às 1h12 e outra pura a mais, vejo que viajei na maionese. Fiz uma crítica para 200 anos anos além. Quem sabe nesta data não terão dado à Tatiana o lugar devido? Não vou mudar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tira o "s", não sou parente do PC. Sou Faria.
Beijos
Ronaldo FARIA

Anônimo disse...

Caneta na boca do cachorro dos outros é refresco.
Sobre o texto que sumiu e estava impagável.
Larissa é muito pra cadela!
Ronaldo Faria

Anônimo disse...

Tati, entregarei o livro do Ronaldo no sábado, no almoço.

Tatiana disse...

eu já imaginava isso, Bruno!

Anônimo disse...

Tati, como faço pra conseguir seu CD novo??
Bjão
Ciça Carboni